Crítica sobre o filme "Miseráveis, Os":

Eron Duarte Fagundes
Miseráveis, Os Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 16/05/2009
Victor Hugo é um dos mais populares romancistas clássicos da literatura francesa e Os miseráveis (1862) é sua obra mais estimada pelo público e pela crítica; talvez não haja adolescente que, tendo um certo interesse por livros, não se tenha emocionado com a trajetória de dignidade melodramática de Jean Valljean, o “bom criminosoâ€, e seus embates eternos com o inflexível policial Javert que todavia no final tem um gesto melodramático, um inesperado suicídio que os anos foram acumulando interpretações. Tal romance não deixou de despertar a atenção do cinema; sem falar na influência indireta da narrativa de Hugo sobre melodramas e filmes policiais de variados tempos, em anos mais ou menos recentes o sueco Bille August e o francês Claude Lelouch se abalançaram a visitar os escombros emocionais de Valljean. A figura gigantesca de Hugo aparece sob a forma do drama de sua filha num dos mais convulsos filmes do francês François Truffaut, A história de Adèle H. (1975).

Agora é a vez da televisão francesa dar sua versão. A cineasta Josee Dayan se atreve a compilar toda a antologia emocional que Hugo espalhou com seu livro como um monumento da miséria num ponto de confluência do capitalismo na França. Dayan realizara antes um Balzac (1999) para a televisão, onde buscava inspiração em outra pena assombrosa de seu país. Gérard Depardieu viveu o grande romancista de A comédia humana (Ilusões perdidas, O tio Goriot, Eugene Grandet). Em Os miseráveis a opulência interpretativa de Depardieu serve ao papel de Valljean: ele está outra vez magnífico. E o elenco que o rodeia não lhe está atrás. John Malkovitch faz um Javert adequadamente rígido e composto. Charlotte Gainsbourg (vista recentemente nos cinemas em desempenho preciso em Anticristo, 2008, do dinamarquês Lars Von Trier) é uma Fantine marcante. Asia Argento tem aquela persona interpretativa de mistério único (marcada, sempre marcada, em suas aparições, pelas características do universo cinematográfico de seu pai, o cineasta Dario Argento) na pele da enviesada miserável Eponine. Christian Clavier (que foi Napoleão em Napoleão, 2002, série televisiva de Yves Simoneau) está grotescamente divertido na pele do escroque Thévardier. Virginie Ledoyen como Cosette (a menina adotada por Valljean depois que a mãe dela, a infelicitada Fantine, morreu), Enrico lo Verso como Martius (o estudante que vira uma espécie de príncipe encantado de Cosette), Jeanne Moreau, Giovanna Mezzogiorno ajudam a dar credibilidade ao afresco retirado do ficcionista francês. As tintas políticas que surgem no romance e também na série francesa são escassas e superficiais, mas servem a um interessante colorido de época, insinuando as relações entre a burguesia ascendente, a aristocracia decadente, o proletariado emergente e os jovens rebeldes que mais para o século XX começariam a tentar mudar o mundo.

Sem muitas invencionices, com alguma correção e outro tanto de sensibilidade, Os miseráveis de Dayan cumpre seu projeto cultural com dignidade. (Eron Fagundes)