Crítica sobre o filme "Sete Vidas":

Wally Soares
Sete Vidas Por Wally Soares
| Data: 21/05/2009
Na minha crítica de Desejo e Reparação, versei sobre como o filme atesta o quanto a arte manipula, e o quanto o cinema é, em si, uma arte manipulativa. Falei também que a manipulação pode então seguir dois caminhos. Ou somos bem manipulados, ou não. Simples assim. Em Sete Vidas, o cineasta Gabrielle Muccino e o roteirista Grant Nieport nos manipula de início ao fim, com uma clima de melancolia e uma história pretensiosa que não poupa no maniqueísmo. Cansa? Com certeza. Nos sentimos um pouco subestimados? Também. Mas, apesar disso, a manipulação de Muccino funciona, e o filme acaba fazendo sua exuberância emocional te contagiar de uma forma ou de outra. É o talento de Muccino em soar sutil em seu maniqueísmo. Ele evita que Sete Vidas se transforme num exercício artificial e insere emoções que soam, sim, genuínas. Talvez é por isso que o filme consigo funcionar apesar de suas falhas de roteiro e ocasionais momentos implausíveis.

O título original do filme, "Seven Pounds", é uma referência bem explícita à peça (que já virou filme) “O Mercador de Veneza", de Shakespeare. Na peça, um personagem concorda em pagar um débito com "sete libras" de sua carne. Em Sete Vidas, Will Smith interpreta Ben Thomas que, sofrendo com uma culpa revelada apenas ao fim, tenta ajudar sete pessoas diferentes. Vou me privar de comentar mais afundo quanto à história para não estragar, mas talvez seja necessário saber algo sobre o enredo do filme antes de assisti-lo, já que o roteiro até a metade é uma verdadeira bagunça. Não se preocupe, portanto, se você chegar ao ponto de bater a cabeça contra a parede para checar se há algum parafuso solto. O parafuso solto é o do roteiro que, numa tentativa medíocre de inserir um ar mais misterioso e envolvente ao filme, peca ao não conseguir delinear os fatos com a devida desenvoltura, deixando tudo bem incoerente, desleixado e simplesmente estranho de mais para conseguir envolver. Mas o forte, de início ao fim, é a figura de Ben Thomas, que por sua vez é construída enigmaticamente, de forma madura e instigante. Will Smith ainda traz uma aura extremamente interessante ao personagem que o traz uma humanidade muito expressiva. Você se envolve em Sete Vidas por causa dele.

Trata-se da segunda parceria entre Smith e o diretor Muccino, que haviam realizado o ótimo À Procura da Felicidade há uns dois anos. E eles trazem para "Sete Vidas" um elemento que marcou bastante o filme anterior: o sentimentalismo exacerbado. Mas se À Procura da Felicidade se esquivava do maniqueísmo e deixava tudo a mercê da identificação do público com o personagem, o mesmo não ocorre aqui, já que o personagem angustiado de Ben Thomas só é desvendado por inteiro ao fim. O trabalho então força diversamente o sentimentalismo, fazendo com que o clima do filme estacione na melancolia. De início, pouco proveito pode ser tirado das situações. O destaque maior nessa primeira metade é a estética sempre vibrante e bonita, e uma trilha sonora envolvente. De resto, não tem como não ficar frustrado pela forma como a estrutura é delineada. O filme só engata mesmo na segunda metade e, apesar de ser o momento onde o sentimentalismo entra a todo vapor, marca também uma sensibilidade tremenda de momentos intimistas e bastante convincentes, principalmente aqueles que dependem da química entre Smith e Rosario Dawson, que está surpreendentemente excelente. Uma belíssima cena dos dois na cama só é manchada pelos diálogos finais do personagem de Smith, que comete algo um tanto implausível e forçado.

Sete Vidas é então um filme de grande sentimentalismo, maniqueísmo e virtudes ocasionais, que acaba vencendo a simpatia dos menos cínicos e os que estão dispostos à passar por cima do ar sempre demasiadamente sentimental da obra. Sua força está nas cenas isoladas de significância maior, na atuação muito sincera e densa de Smith e na inesperada performance de Dawson. Sua saga de um homem que se martiriza pode sensibilizar da mesma forma que pode frustrar. Depende totalmente da identificação do espectador com a história e o seu envolvimento com o difícil personagem de Ben Thomas. O desfecho do filme é o mais "shakespeariano" possível, mas sem a poesia. O que falta em Sete Vidas é estruturação, organização e poesia. Muccino deixa muito nas mãos da reação sentimental da audiência, e pouco se preocupa em fazer um filme que profundamente consiga comunicar algo mais soberbo. A história é, sim, bonita. E o personagem marca, de uma forma ou de outra. Mas é mais que óbvio que Sete Vidas é do tipo de filme que tinha tudo para ser melhor. Se contenta, portanto, com as virtudes que tem a oferecer, pois a força da história se limita à duração da sessão. O efeito simplesmente não impressiona como deveria diante do que o filme teve a oferecer dramaticamente. (Wally Soares – confira o blog Cine Vita)