Crítica sobre o filme "Lutador, O":

Wally Soares
Lutador, O Por Wally Soares
| Data: 20/05/2009
No seu 4º filme, o engenhoso (e eclético) Darren Aronofsky (Fonte da Vida) deixa para trás as complexidades de distúrbios psicológicos, vício em drogas e buscas existencialistas para falar sobre um tema mais simples (e verídico). Ainda que, dadas as suas proporções, a vida aqui retratada de Randy ‘The Ram’ Robinson guarda suas próprias complexidades e nuances particulares. A questão é que O Lutador é diferente de tudo que Aronofsky fez, e é fascinante ver o resultado de sua versatilidade aqui, quando se prova não só visionário, mas profundo, apaixonado e singular. Muito do que o filme é, e muito do que consegue, deve-se há habilidade brilhante de Aronofsky em unir o cru e o emocional em um pacote de sentimentos borbulhantes e verdades cortantes. É um trabalho tão honesto, puro e chocante nos sentimentos defasados que retrata que ele te nocauteia muito como o próprio protagonista constantemente é ao longo da sessão.

Roteirizado de forma madura e respeitosa por Robert D. Siegel (em seu roteiro de estréia), ele narra a história de Randy sem julgamentos ou colocações, mostrando à audiência de uma forma muito bruta e crua quem é o homem e, de forma sutil e profunda, o que se esconde por trás de seus ferimentos. Alias, é curioso a conexão estabelecida entre os ringues nos quais Randy precisa lutar. Ao passo que toma chutes, socos, cortes e porretes no ringue profissional e sai ileso, ele se vê constantemente arrasado pela luta no ringue de sua própria vida pessoal, levando ponta-pés de mais de um adversário durante sua trajetória. Sua luta em permanecer vivo não só diante de outros mas para si mesmo é tocante e sua fragilidade emocional diante de seu passado vulnerável o traz uma humanidade esplêndida. A figura dele surge então como um personagem construído de forma meticulosa e honesta, e automaticamente nos tornamos ligados à esse brutamonte. Principalmente quando Mickey Rourke demonstra uma capacidade intensa em dialogar com a audiência por meio dos olhos fundos de Randy, que escondem tanta angústia e dor que quase trazem lágrimas ao seu.

Rourke surge então como o talento mais fascinante do filme. Em parte, pela veracidade que adiciona à história de um personagem, cujas semelhanças com a sua própria vida podem até assustar. Em síntese, O Lutador é sobre a volta por cima de um homem que havia atingido o fundo do poço e conseguiu retomar seu posto com um digno esforço de bravura. E em síntese, é mais ou menos isso que ocorreu com Mickey Rourke que, de ícone nos anos 80, desceu numa fervilhante estrada de drogas e auto-destruição, o afastando de família, amigos e do próprio cinema. Aronofsky viu nele, ainda um homem acabado, o próprio Randy Robinson, e insistiu tanto que Rourke aceitou o trabalho, que por si só já simboliza sua própria virada por cima como um ator digno e talentoso. Rourke realiza uma performance de corpo e alma em “O Lutadorâ€, indo à limites corporais e emocionais para mostrar ao mundo que existe, sim, e que está voltando com toda a glória que merece. Então O Lutador pode ser uma biografia do lutador profissional Randy ‘The Ram’ Robinson, mas é também um filme em parte, sob certo olhar, sobre Mickey Rourke.

A virtuosidade de O Lutador é então muito grande. Filmado por Aronofsky e pela fotógrafa Maryse Alberti com muita crueza e realismo, é concretizado como um estilo semi-documental essencial e importante para o sentimento de honestidade que o filme quer enviar. A trilha de Clint Mansell (que é sempre muito memorável) se contém bastante, mas esconde brilhos repentinos em diversos momentos. Mas o brilho musical do filme fica mesmo com Bruce Springsteen, que colabora para o filme com a belíssima canção-título. Ainda é impensável não lembrar sobre os desempenhos coadjuvantes majestosos de ambas Marisa Tomei e Evan Rachel Wood, que demonstram grande emoção e profundidade para caracterizações muito reais. São, em suma, uma união de fatores importantes e virtuosos que fazem de O Lutador o que é: cinema puro, apaixonado e realmente muito forte. Você o termina arrasado, contente, sorridente e mudado, de certa forma, pela experiência cortante de Randy. É um filme que comove, em muitos sentido, e se finaliza de forma tão pura e singela que é impossível não comemorá-lo. (Wally Soares – confira o blog Cine Vita)