Crítica sobre o filme "Dúvida":

Rubens Ewald Filho
Dúvida Por Rubens Ewald Filho
| Data: 10/06/2009
Baseado em uma peça vencedora do prêmio Pulitzer em 2005, Dúvida possui todos os atributos virtuosos que poderiam reger numa clássica peça. Ambiente habilmente construído, diálogos afiados, personagens intrigantes e atuações poderosas. E, em teoria, o filme não se distancia muito de uma “peça filmadaâ€, com poucas ou nenhuma ousadia na filmagem de John Patrick Shanley (o autor da peça – e do roteiro – cujo primeiro filme na cadeira de diretor, Joe Contra o Vulcão, foi lançado em 1990). Esteticamente, Dúvida não deixa a desejar, com hábeis figurinos, direção de arte competente e uma fotografia excelente. Mas, aparte de uma montagem essencial, pouco pode ser dito quanto à direção, que conduz corretamente mas não faz total jus ao material fervendo que tem em mãos. Salvo algumas ótimas cenas subjetivas, o espetáculo de Dúvida é encarregado ao roteiro e ao elenco. E tais elementos o elevam à uma potência quase assustadora.

Assustadora porque – sem enrolações – o roteiro do filme é extraordinário, em todos os sentidos possíveis. E, em união angelical com os atores impressionantes em cena, o trabalho se equaciona num produto dos mais fascinantes e interessantes. Abrindo com uma imagem puramente metafórica e maravilhosa por sua afiada simplicidade, Dúvida é, de início ao fim, intrigante. Mas se ele começa com tal simplicidade, o mesmo não se pode ser dito por seu desfecho, que termina com uma nota perturbadora e inquietante. Uma nota tão ousada que apenas eleva o texto à um patamar mais invejável, ao tratar do tema – e dos personagens – com uma brilhante complexidade quase nunca testemunhada em filmes. As nuances aqui construídas, e trabalhadas com meticulosidade extrema, enriquecem a experiência exponencialmente ao mergulhar a audiência num mundo cruelmente cínico, real e cru. Impressões irrefutáveis depois de diálogos após diálogos de pura genialidade. Tanto em construção, quanto em efeito. E testemunhar tais diálogos serem entregues por profissionais tão dignos torna tudo tão mais emocionante.

E é difícil um filme de mais ou menos 100 minutos completamente carregado em diálogos conseguir ser emocionante. Mas Dúvida consegue por nunca abandonar a relevância, nunca se levar por caminhos fáceis e estar constantemente desafiando não apenas seus personagens, mas a audiência, que se torna uma espécie de júri diante dos debates, acusações, acolhimento de provas e arrombamento de emoções. Apesar de sua qualidade nada duvidosa, Dúvida se compõe de exatamente aquilo que seu título sugere. E ele te manda para fora da sessão completamente atordoado. Shanley meche com sua cabeça de tal forma que você quer constantemente voltar para ter certeza de detalhes e impressões. E o melhor é que o roteirista nunca toma uma estrada fácil, está sempre provocando e, numa escolha acertada, deixa para a audiência tirar suas conclusões finais, como se apenas apresentasse um caso e deixasse para nós o julgamento. Tal elemento corajoso é valioso no atual patamar, principalmente quando se vem acompanhado de riqueza subjetiva e emocional tão forte. Shanley dirige com firmeza, mesmo que nunca faça nada além do que deveria, e isso entrega à seu texto uma seriedade e relevância ainda mais poderosa. E as emoções que coloca em jogo ao desenrolar da narrativa transformam a experiência em uma gloriosamente e artisticamente provocadora.

Dentro de tanta virtuosidade, é inevitável ser carregado pelo poder das atuações e, além de uma Meryl Streep (O Suspeito) novamente incrível, encarando seu papel com especial densidade e presença intensa, cheia de detalhes e tons, ainda podemos nos deliciar pelo igualmente incrível Philip Seymour Hoffman (A Família Savage), cujo padre intriga por tamanha complexidade e vulnerabilidade emocional. As coadjuvantes Amy Adams (Jogos do Poder) – magnificamente forte – e Viola Davis (Noites de Tormenta) – que faz de 10 minutos momentos de tirar o fôlego – enriquecem tudo um pouco mais. O talento aqui transborda, e o que inibe Dúvida de ser uma obra “maior†seja mesmo a abordagem convencional de seu diretor, que se conforma com quadros metafóricos, posicionamentos óbvios e um testemunho visual curto e grosso de um debate que poderia ter sido emocionalmente explosivo. Mas Dúvida se contenta. Ao menos até seu minuto final, quando surpreende a todos com uma intensidade emocional – e psicológica – reflexiva e talvez ousada até demais. Dúvida é, acima de tudo, cinema obrigatório. Denso, reflexivo e anormalmente bem escrito. Todo o efeito irá pairar como uma nuvem sob sua cabeça por um bom tempo. E não há certeza tão forte quanto a dúvida que o texto te deixa. (Wally Soares – confira o blog Cine Vita)

.

Quando Duvida realmente se estabeleceu como um projeto cinematográfico, houve um pequeno grande alvoroço. Simplesmente pela peça ser adorada, e por John Patrick Shanley escolher um elenco magnífico: da ate então desconhecida Viola Davis, à dama suprema do cinema Meryl Streep. Alem disto, o roteiro seria escrito pelo próprio Shanley (que também escreveu a peça), o que deu um "up" a mais na ansiedade dos críticos e dos cinéfilos de plantão. Pois então- filme chegado às telas, Shanley e todo elenco indicados ao Oscar®, devo dizer que o filme é realmente muito bom. Mas não é tão bom quanto prometia.

A historia é a seguinte: No inicio da década de 60, a irmã Aloysius Beauvier (Meryl Streep), comanda a mãos de ferro sua escola....tudo seria perfeito se acima dela não hoje o querido e popular padre Flynn (Phillip Seymour Hoffman, indicado na categoria errada ao Oscar®), que reprova a maneira da irmã de tomar decisões. É então quando a ingênua irmã James (Amy Adams), da um indicio à irmã sem coração Aloysius que o aluno Donald Miller veio alterado da igreja apos contato com o padre, que a bruxa, ops, irmã resolve, sem nenhum esclarecimento, tomar as próprias conclusões e ir pra cima do Padre, querendo o acusar sem provas. E a partir dai é um embate em cima do outro, onde o melhor pra mim é entre Meryl e Viola. Alias o elenco todo é um primor. Meryl está fantástica, uma perfeita vilã. Ela atira contra tudo e a todos sem a menor piedade, e sempre com uma empáfia que é impossível não odiá-la. Phillip Seymour Hoffman também está muito bem. Claro que, quando dizem que ele é o mais fraco do grupo não quer dizer que ele está mal, mas sim, porque como está todo mundo dando um show, ele fica aquém mas "meninas" (e ainda assim de modo correto eu o indicaria a Oscar® de melhor ATOR não de coadjuvante). Viola, com pouco tempo em cena, dá um show de interpretação. Mas é Amy Adams, de modo magistral quem realmente me conquistou. Sua irmã James é confusa, temerosa, angustiada. Através de seus olhos vemos o medo e a dúvida, e alguém inocente. Por isso, para mim, ela é a melhor do grupo.

A direção do filme deixa sim a desejar, mas não é algo fatal. Apenas alguns ângulos que poderiam ficar melhores, mas nada demais. A parte técnica é muito boa - desde a trilha (pequena) de Howard Shore, à fotografia de Roger Deakins, tudo se dá bem. Mas não é um filme que você saia apavorado... embora seja impossível não ficar na dúvida no final do filme, de quem está falando a verdade. Pra quem quer ver atuações incríveis e um belíssimo roteiro que pra mim só perde para Peter Morgan e seu monstruoso Frost/Nixon), vá assistir Dúvida. (Viviana Ferreira)

.

Embora partindo duma peça do próprio diretor, o norte-americano John Patrick Shanley, o filme Dúvida (Doubt; 2008) é essencialmente uma obra de cinema. Sua escorreita montagem, os planos sempre engenhosos e com multiplicidade de soluções e ângulos que batem na tela encaminham a narrativa de Dúvida para o universo do filme, onde o teatro me parece ser uma evocação longínqua. Até mesmo a valorização dos intérpretes (o dueto interpretativo central entre Meryl Streep e Philip Seymour Hoffman  e atores mais secundários porém marcantes em seu registro como Amy Adams e Viola Davis) tem muito mais a ver com o jeito cinematográfico de interpretar do que com o palco (Meryl tem um de seus grandes desempenhos de cinema e Philip lhe está à altura).

Dúvida passa-se em 1964 num colégio religioso do Bronx. Meryl vive a sombria freira Aloysios, dura e intransigente com os valores libertários que se insinuavam na década de 60 do século XX inclusive numa escola católica. Philip é seu contraponto, o padre Flynn, um sacerdote de discurso mais liberal e humanizado. O conflito dramático surge quando a jovem freira James lança sobre o padre Flynn a suspeita de que estaria abusando sexualmente dum garoto negro. Shanley atiça estas sombras de dúvida nas personagens e a lança para o espectador, especialmente quando o padre tergiversa, falando da existência duma emoção (homossexual?) em lugar de um fato (o verdadeiro contato físico de que as freiras suspeitam).

No panorama bastante comercial do cinema americano que chega por aqui, Dúvida impõe um tipo de obra cinematográfica mais sutil. E que mexe de maneira forte com certos sentimentos ocultos do observador mais avisado. (Eron Fagunes)

.

Dúvida teve, em São Paulo, uma acidentada montagem teatral, com Regina Braga e Dan Stulbach, cheia de conflitos nos bastidores, que resultaram numa versão apática e discutível, marcando a estréia de Bruno Barreto como diretor. Foi na Broadway, porém, que teve grande êxito, dando um Tony, o Oscar local (e também o Pulitzer), para o autor, John Patrick Shanley (mais conhecido  por ter ganhado o Oscar por “Feitiço da Luaâ€, e menos pelo único filme que dirigiu, o fraco “Joe Contra o Vulcãoâ€, com Tom Hanks). Ele decidiu fazer a versão para o cinema sem conservar o elenco, que tinha mais duas vencedoras do Tony: Cherry Jones e Adrienne Lenox (assim como o diretor, que era Doug Hughes).

Mas não mudou muita coisa, continua ser um daqueles textos onde se discute, discute e não se chega a uma conclusão, tem um final aberto (que geralmente o publico odeia, ele sempre prefere uma conclusão). Na verdade, eu acho a temática muito americana, já que se discute, em tese, se um padre pode estar ou não abusando sexualmente de uma criança, sem tomar uma posição mais clara. Para complicar, o menino é um negro, o primeiro a ser aceito numa escola católica, em 1964, ou seja, uma questão delicada. Só que Meryl Streep está descontrolada, e tem uma de suas raras aparições exageradas, transformando sua madre diretora da escola numa megera (ela chega a fazer caretas e tudo), de tal forma que o padre fica mais inocentado, já que pode ser simplesmente mais humano, o único a apoiar o garoto em crise.

Ou seja, esteja preparado para sair do cinema discutindo com o parceiro, para tomar um lado. Quem é o culpado? A freira reacionária ou o padre suspeito, apenas por circunstâncias. O fato é que, para mim, quem rouba o filme são os coadjuvantes. Enquanto Hoffman está apenas correto, e Meryl overacting, a encantadora Amy Adams faz muito de um papel que é nada - a jovem freira que está ajudando no caso. Quem rouba o filme, em apenas duas cenas, é a atriz negra Viola Davis, que faz a mãe do menino e, andando num jardim, ou seja, numa cena difícil de marcar, ela rouba com humanidade o momento de Meryl.

“Dúvida†deu a Meryl o SAG (Screen Actors Guild) de atriz, e também teve indicações ao Oscar de coadjuvante para Viola Davis, Amy Adams e Philip Seymour Hoffman, e para roteiro adaptado de John Patrick Shanley. Dizem que o diretor disse apenas a Hoffman se o seu personagem era culpado ou inocente. Você decide. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 21 de fevereiro de 2009)