Crítica sobre o filme "Milk - A Voz da Igualdade":

Rubens Ewald Filho
Milk - A Voz da Igualdade Por Rubens Ewald Filho
| Data: 19/06/2009
Quando Milk – A Voz da Igualdade tem início, testemunhados – em imagens de arquivo – homossexuais sendo escoltados para dentro de camburões pela polícia. Apesar de não estarem fazendo nada de errado, estes homens foram julgados pelo ato de amar de forma “erradaâ€. Como se existisse algo de errado com amar. As imagens bastante impactantes são seguidas pelos comentários de Harvey Milk que, destemido, gravou um longo depoimento sobre sua vida e convicções, numa gravação que teria que ser utilizada apenas – de acordo com ele – no caso de seu assassinato. A figura de Harvey Milk, homossexual ativista que mudou a vida de muitos ao redor do país e inspirou tantos outros, é retratada aqui com muita paixão por Gus Van Sant (Paranoid Park), que também é homossexual e adapta seu filme de um roteiro exemplar de Dustin Lance Black que é, também, homossexual. A paixão e a constante relevância com a qual Van Sant e Black constroem o filme o traz uma autenticidade vibrante, além de uma virtuosidade emocional que atinge o sublime.

Van Sant, que já trabalhou o homossexualismo diversas vezes em sua filmografia de formas bem mais sutis e disfarçadas, aqui encontra um projeto com o qual ele pode desenvolver o tema com uma abrangência e importância bem maior. Retratando um personagem sólido em meio à uma narrativa forte em suas implicações políticas e morais, o cineasta captura todo o alvoroço levantado por Milk e seus recrutas diante dos conservadores americanos e suas vergonhosas leis, que por sua vez surgiam constantemente atacando a suposta inferioridade dos homossexuais que, de fato, só queriam ser aceitos e, ao redor de todo o país – e do mundo – temiam sair do armário com medo de retaliação oriunda de uma sociedade quase que primitiva em suas crenças medíocres. O roteiro de Black retrata Milk com uma importante densidade, e o constrói tendo em vista todos os fatores sociais, políticos e emocionais que o transformaram no homem que foi. Mas a força do personagem e, talvez, o motriz do projeto em si, seja a atuação brilhante de Sean Penn (A Grande Ilusão), que retrata Milk com um vigor natural e emblemático. Os trejeitos, os tiques, a fala e o realce emocional são características que soam sempre sinceras, nunca definhando diante de qualquer caricatura. Penn traz Harvey Milk de volta à vida.

Penn é, porém, apenas o líder de um elenco afiadíssimo e completo. Os destaques ficam por conta de Emile Hirsch (Speed Racer) – numa surpreendente caracterização – um contido mas poderoso Josh Brolin (A Garota Morta), e um James Franco (No Vale das Sombras) totalmente natural no desempenho intimista. Apenas alguns dos nomes que fazem da experiência de assistir à Milk – A Voz da Igualdade tão mais ressonante. Alias, o filme te envolve de uma forma muito curiosa, ao estender eloquentemente a trajetória de Harvey Milk em meio à uma narrativa cheia de detalhes, personagens bem escritos, diálogos primorosos e, finalmente, um último ato que traz um grande impacto. Até mesmo para aqueles que já sabem da história de Milk, os minutos finais da obra impactam não só pela trágico ocorrido, mas também pela curiosa fascinação diante do ato de Dan White. Alias, é essêncial quando o roteiro oscila seu foco constantemente para a complexa figura de White e o que ele vem remoendo dentro de si mesmo até chegar ao seu ato final. Um ato que é seguido não só por um monólogo genial de Harvey, mas elevado à uma beleza impressionante ao sermos postos diante de uma marcha pelas ruas de San Francisco à luz de velas, numa tomada simplesmente sensacional em seu realismo e em suas implicações, que emocionam profundamente por ser uma homenagem belíssima ao espírito humano.

Milk – A Voz da Igualdade tem um formato simples, até convencional diria eu. Mas de forma alguma ele é rebaixado por isso. A força do roteiro, a dimensão da direção e a sensibilidade com a qual é atuado o coloca num patamar que vai além de meras convenções. É um projeto que une o cinema mais comercial de Van Sant com o seu experimental, numa junção curiosa entre o grandioso e o simplesmente introspectivo. E o filme fascina, impressiona e move. Carrega consigo imagens de arquivo que adicionam muito ao clima do filme em questões de urgência e peso, e aspectos técnicos merecedores de aplausos como a eficiente direção de arte, a bela fotografia e uma trilha sonora belíssima de Danny Elfman (Hellboy II – O Exército Dourado). Mas, além de tudo isso, Milk – A Voz da Igualdade ganha especial força por retratar um homem importante e, a partir disso, versar sobre um tema que ainda é um tabu na sociedade atual. E por tratar o tabu com tamanha sensibilidade e de forma tão natural, o filme conquista a admiração, e ainda comove ao trazer a tona estudos singelos e perturbadores sobre a condição humana. (Wally Soares – confira o blog Cine Vita)

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Só assistindo ao filme é que me dei conta de que não havia sido contada ainda, no cinema, ao menos em termos de ficção, a história de como foi o movimento de libertação  gay (o chamado Gay´s Lib) nos anos 70, em San Francisco, e dali para o resto da América. Lembrei de ter lido a respeito, já que era um constante consumidor da Playboy, que ia registrando toda a luta contra a censura e a repressão, inclusive a dos gays. Depois, o documentário “The Life and Times de Harvey Milk†ganhou o Oscar® da categoria, em 1985.

Ou seja, não entre por engano, pensando que é um filme sobre vacas e laticínios. É bom saber que Harvey Milk (1930/1978) foi um líder do movimento que foi assassinado, junto com o prefeito de San Francisco, George Moscone naquele momento, por alguém de dentro da administração. Não pelo povo, ou um fanático, ou seja, um elemento externo. Mas, pior ainda, por uma figura doentia, próxima, quase amigo dele. E que, como sempre, escapou de um castigo maior e mais consequente. O filme não faz nada para facilitar a nossa apreciação, nem o torna mais simpático, mais amável. Não chega nem mesmo a dizer exatamente quem era a pessoa de Harvey Milk, nem desvenda sua personalidade, que ao final continua um mistério. É que o diretor Gus Van Sant, assumidamente gay e que varia entre filmes de arte, de pesquisa (como “Elefante†- 2003 e “Paranoid Park†- 2007) com besteiras - como uma refilmagem de “Psicose†(1998), e acertos como “Garotos de Programa†(1991),  com River Phoenix -, aqui está em um bom momento.

Optou por narrar tudo como se fosse um documentário, ou seja, essa é a linguagem do filme, que reproduz a trajetória de Harvey Milk a partir de um depoimento que ele fez sozinho, para um gravador, quando soube que estava ameaçado de morte. A partir daí, vêm os flashbacks, nem sempre positivos. Ele tem um caso com um rapaz mais novo (James Franco), e depois com um latino perturbado (Diego Luna) mas, fora alguns amassos, ficamos sabendo pouco sobre a psicologia dos envolvidos. Ao final, aparecem fotos e o que sucedeu com os que vão surgindo na história, e só assim entendemos algumas coisas, porque todos os personagens são apenas vultos de passagem. Não é como num filme dramático tradicional, onde os personagens têm chance de se explicar, de dizer a que vieram.

Isso prejudica muito o elenco, que é todo muito corajoso e, por vezes, irreconhecível, atrás dos bigodes e cabelos, mas raramente tem chance, nem mesmo Josh Brolin (como o assassino, também mal delineado), ou o garoto de Speed Racer (Emile Hirsch), que mudou de cara novamente. Ou seja, não é um filme no qual o público vai embarcar facilmente. É um semidocumentário importante e interessante, mas sua maior chance de premiação é mesmo com Sean Penn, deixando ver que é baixo, não muito atraente, se expondo com coragem (mas nada muito ousado também). Ele comentou que seu maior choque, vendo o filme, foi reparar como estava envelhecido e cheio de pés de galinha! Só que o roteiro não lhe dá as chances devidas e, como ganhou prêmio muito recentemente, pode ser que não leve o Oscar®.

“Milk†foi indicado nas categorias de figurino, ator, ator coadjuvante (Josh Brolin, filho do ator James Brolin, enteado de Barbra Streisand, casado com Diane Lane, e um dos ‘Goonies’), montagem, direção, filme, roteiro (Dustin Lance Black, que é mais conhecido pela serie de TV “Big Loveâ€). (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 21 de fevereiro de 2009)

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Milk, a voz da igualdade (Milk; 2008) é um filme que se insere coerentemente no espírito de irreverência e contestação de seu realizador, o norte-americano Gus Van Sant; mesmo que não chegue ao radicalismo de propostas de obras como Últimos dias (2005) e Paranoid Park (2007), Milk não é, como se escreveu por aqui, uma narrativa acadêmica ou conservadora; basta observar com atenção sua fragmentação documental e seu intransigente olhar crítico para afastar Van Sant dos costumeiros lances comerciais de Hollywood. É bem verdade que o cineasta resolveu facilitar, em termos de ritmo visual e de utilização dos recursos de produção, a assimilação do espectador habitual; mas se poderia falar antes em uma certa adequação que em concessão —e no meio dos filmes convencionais que se está vendo neste início de temporada em Porto Alegre, Milk se sobressai, embora sem muito alarde.

Trata-se duma cinebiografia ao mesmo tempo seca e apaixonada de Harvey Milk, homossexual que liderou, com dignidade e vigor, no coração dos anos 70 nos Estados Unidos, a luta pelos direitos dos dissidentes sexuais masculinos e estendeu esta luta para a defesa de todas as minorias oprimidas e humilhadas, como reza a óbvia mas necessária cartilha do discurso final de Milk na voz-over de Sean Penn, em desempenho extraordinário.

O filme é um pouco contado pela voz de Milk/Penn no gravador documentando sua vida. Depois Van Sant vai juntando os fatos da vida de Milk sem maiores voos, mas com uma partição ali entre o disperso e o criativo. Do ponto de vista formal, a experiência do cineasta nem sempre se solidifica. Mas a autenticidade de seu relato acaba por conquistar o espectador, seja de que latitude moral ou visual ele for.

Milk recupera também para o observador de hoje a força de contestação de uma geração. A que foi jovem no interior dos anos 70. (Eron Fagundes)