Crítica sobre o filme "Cadillac Records":

Wally Soares
Cadillac Records Por Wally Soares
| Data: 07/07/2009
Cadillac Records é um filme feito para um público seletivo. Apesar de ter seus ocasionais graves problemas de estrutura, o filme é um deleite para todos que conhecem o que é boa música e qualquer um que saiba aproveitar uma boa performance. Ainda que não seja um drama dos mais consistentes, e cinema com lá seus defeitos, é uma obra que se distingue. E isso é sempre bem-vindo numa época em que os filmes cada vez mais perdem suas personalidades. Então, falho como é, o filme acaba por encantar e cativar, oferecendo um sólido e vibrante entretenimento que deixa uma impressão. E tudo isso por causa de dois elementos primordiais para o funcionamento da obra: o elenco, e a música, claro. Movido pelos blues e pelo rock que futuramente inspirariam gerações, o filme encontra seu motriz em cenas que unem de forma efervescente o furor da música com grande paixão.

O longa traça a história de Chess Records, um pequeno estúdio de gravação que, liderado por Leonard Chess, achou grandes talentos dos blues e do rock como Muddy Waters, Etta James, Little Walter, Chuck Berry, Willie Dixon e Howlin´ Wolf. Nomes que não significam nada para muitos da geração de hoje (o que me traz de volta ao público seleto), mas que foram importantíssimos para a evolução da música, inspirando os maiores nomes do rock, de Beach Boys à Rolling Stones. E é um prazer testemunhar estas lendas sendo descobertas e assistir o que realizaram com seus talentos explícitos. A narrativa do filme é talvez seu grande defeito. Com uma pobre estruturação, o roteiro soa diversamente incoerente em suas passagens, perde boas oportunidades (um incêndio importante é apenas mencionado, como também questões importantes de relacionamentos) e omite também diversos fatores que poderiam ter enriquecido a história. Na história real, por exemplo, Leonard Chess teve um parceiro ao comandar o Chess Records: seu irmão, Philip, que nem é mencionado no todo decorrer do filme. Estas omissões e erros de continuidade enfraquecem o resultado final, nos mostrando que, apesar de ser um bom filme, poderia ter sido muito mais com certos retoques e polimentos.

A diretora, Darnell Martin, claramente inibida em sua condução, decide então apostar no que é certo. O poder da música então toma conta do filme, em trilha sonora impecável. As cenas que focam a apresentam de certas músicas são apresentadas com tanta paixão que trazem a tona toda a sensualidade, o furor e a força cintilante da música. De repente, o fato do filme possuir uma linguagem cinematográfica tão limitada deixa de ter tamanha importância, ao nos vermos totalmente envolvidos tanto com a música, que te puxa como um imã, quanto pelos personagens – que podem sofrer em questões de roteiro mas vivem graças à um elenco rico em caracterizações importantes e bem realizadas. Momentos em especiais nos fazem esquecer que assistimos à meras simulações, quando a intensidade de seus atores se sobrepõem à mera encenação. Neste caso, é preciso elogiar Jeffrey Wright, que constrói um marcante Muddy Waters cheio de energia. Ao seu lado, somos surpresos pela dedicação de Columbus Short (outrora tão limitado) como Little Walter. Gabrielle Union surge em comovente retrato e Mos Def encarna Chuck Berry cheio de autenticidade. Mas quem merece os grandes elogios é Beyoncé Knowles, que prova aqui não ter tido em Dreamgirls – Em Busca de um Sonho um golpe de sorte. Além de soberba cantora, ela traz Etta James à vida com uma paixão gigantesca, em cenas que expõem vulnerabilidade e imensa intensidade – como uma soberba entre ela e Adrien Brody (também ótimo) após um incidente com a cantora, marcando uma química assustadoramente realista entre ambos que envia raios de vertigem à todos os lados. E são momentos isoladamente belos como este que tornam "Cadillac Records" num bom filme, já que o conjunto em si acaba por se denotar com extrema fraqueza.

Como um retrato digno do nascimento do rock e como homenagem memorável àqueles que pavimentaram o hall da música, Cadillac Records funciona, totalmente impulsionado pela música vertiginosa e um elenco extremamente dedicado. Eles acendem o filme e o faz vibrar – e a audiência também. Como cinema, Cadillac Records é uma obra burocrática e pesarosamente inconsequente em seu roteiro confuso e direção desfocada. Para todos que estão dispostos a virar às costas para tais erros, vejam sem medo. Não é sempre que se encontra uma celebração tão viva da música.