Uma vez ou outra, surge um filme que, independente de sua qualidade cinematográfica, nos pega desprevenidos e nos afetam numa nota pessoal.
Território Restrito é um ambicioso filme de Wayne Kramer (cultuado por
The Cooler e pela boa fita de ação
No Rastro da Bala), que traça um panorama sócio-polÃtico sobre as relações humanas que entram em conflito diante da oportunidade de cruzarem as fronteiras dos Estados Unidos para viverem ilegalmente, em busca do sonho americano. O filme escrito e dirigido por Kramer é extremamente falho. Em vezes manipulador, em outras simplesmente superficial, o filme falha ao atingir a nota que anseia, e fica terrivelmente aquém de obras que o inspirou, como
Crash – No Limite. Alias, a direção de Kramer ocasionalmente se mostra irritantemente adepta do que foi realizado estruturalmente e emocionalmente no excelente filme de Paul Haggis. Oscilando suas histórias com tomadas áreas de Los Angeles, numa tentativa fracassada de a transformar numa personagem por si só, e vigorando em cima da boa trilha sonora de Mark Isham (que fez muito melhor em
Crash), Kramer ainda aposta, como Haggis, em cenas de grande cunho emocional, que chegam com peso. A diferença é que
Crash equilibrou-se, e realmente chocou quando deveria. Já
Território Restrito soa muito exposto quando deveria soar Ãntimo. Ainda assim, a força de sua história (e de seus personagens) é tão grande e – apesar dos estereótipos – tão real, que poderá atingir aqueles que, como eu, costumam baixar a guarda, podendo ser atingidos pela comoção.
Reunindo um grande números de personagens e sub-tramas, o filme tem muito o que administrar e manter controlado. Muitas emoções em jogo, muita polÃtica em aberta e sem uma conexão plausÃvel entre seus personagens, num pecado grave. Então, se o filme falha tanto em seu conjunto, ele termina como uma obra consequentemente recomendável graças à s particularidades de suas tramas, de seus personagens que nos afetam e de um clima tristemente cÃnico, que mostra um mundo cruelmente revestido polÃticas errôneas, injustiças morais e esmagador interesses econômicos. Um mundo que, longe de ser livre, se torna dolorosamente repreensÃvel. E é esta lamentável constatação de Kramer que traz ao filme a urgência que compensa sua fragilidade como obra cinematográfica. Então, nas duas horas de filme, é difÃcil não estar ligado ao que está ocorrendo e difÃcil desinteressar. Isto porque, graças à um competente elenco e detalhes que trazem importância, sabemos que o retratado em tela está vinculado à nossa realidade de uma forma dolorosa. E é nesta constatação que o filme pode te atingir. E
Território Restrito pode ter inúmeros pecados e limitações, mas almeja se manter memorável.
As boas intenções da história e sua inevitável importância parecem ter chamado atenção dos astros, já que
Território Restrito traz no elenco nomes como Harrison Ford (nada mais que aceitável), Ashley Judd (competente, como sempre), Ray Liotta (até admirável), Jim Sturgess (repete o promissor talento) e Alice Braga (que aparece muito pouco). Quem se destaca mesmo, porém, é Cliff Curtis – numa das mais interessantes sub-tramas – e a emocionalmente poderosa Summer Bishil – que protagoniza a melhor história. O elenco traz, acima de qualquer coisa, autenticidade aos seus personagens, e reveste ao filme uma camada de realismo que estaria ausente em grande parte das posturas ora artificiais do roteiro, que diversamente visa atingir o emocional e peca no substancial. Por outro lado, o roteiro encontra belos momentos em que toca em feridas provocadoras, como duas em especial: uma que segue uma adolescente Iraniana e sua corajosa postura diante do 11 de Setembro, que resultará em consequências trágicas; e outra que segue uma famÃlia do Iran que, no ápice de sua total naturalização como americanos, lidam com problemas de honra. O soco no estômago que ambas histórias apresentam se tornam o destaque do filme, que trata de muitos elementos, de preconceito à intolerância, com urgência, mesmo que nem sempre da forma mais adequada. Em vezes, a mão pesada de Kramer incomoda.
Em sua totalidade,
Território Restrito é um filme falho e pesado, mas interessantÃssimo quanto à s feridas que decide abrir. Alias, um ponto que deva ser ressaltado é o de que, embora possa parecer, o filme não é em nada patriótico. Alias, quem vê-lo como um filme do tipo certamente precisará olhar novamente, já que as intenções são outras. A forma como retrata os Estados Unidos é idealizando como as pessoas que partem para ele o vê e, apesar de desejarmos que tivesse mostrado um contra-ponto ácido desta ilusão, já agrada um pouco quando, durante um hino nacional, mostra a quebra de valores e moralidades. Em outras palavras, trata-se de um filme que não merece ser totalmente subjugado e detratado pelos seus erros – embora muito graves – mas lembrado pelas intenções e pela seriedade que assombra assuntos particulares e universais. DifÃcil como pode ser contornar seus defeitos, é sugerido que dêem uma chance à fita.
(Wally Soares – confira o blog Cine Vita)
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O diretor Kramer revelou talento num filme pequeno, com William H. Macy, chamado Quebrando a Banca (“The Cooler” - 2006), onde ele era um pé frio contratado por cassino para dar azar a certas pessoas. Agora, com produção dos prestigiosos Weinstein e Frank Marshall/Katherine Kennedy, ele refaz um curta-metragem seu, de 1996, com Jacqueline Obredos (no papel que agora é de Alice Braga, enquanto Jacqueline retorna como uma fria agente do FBI), que prende a jovem mulçumana. Naturalmente, ampliando a história e abrindo o leque, no que resulta um filme de mão pesada, patrioteiro (excesso de louvação à bandeira americana, a alegria e felicidade de ser norte-americano, resultando mesmo moralista, já que todos os inimigos do estado acabam, de uma maneira ou outra, sendo castigados).
A menos feliz do elenco é a brasileira Alice Braga, que tem apenas uma única sequência onde contracena com Harrison Ford (muito envelhecido, sem ter evoluído para um grande ator). A coitada nunca mais aparece, nem em flashback. Mas não pensem que outros têm melhor sorte. Ford, além de se atrapalhar no espanhol, que não consegue falar, faz um veterano agente do governo, que controla imigrantes ilegais, mas tem bom coração. Ele se encanta com Mireya Sanchez (Alice Braga) e consegue salvar o filho dela e retorná-lo para seus pais em Tijuana; mas, o problema maior dele é com Hamid Baraheri o parceiro de origem árabe (o veterano Cliff Curtis, especialista neste tipo de papel), que tem problemas com um pai fanático religioso e uma irmã rebelde.
Este “Crash” dos pobres também prega moral, mostrando que o crime não compensa, na figura de um jovem coreano que cai no crime (Grand Torino mostrou o mesmo, de maneira muito mais contundente). Mas, sem dúvida, a história mais forte é a da jovem estudante mulçumana, que comete o erro de fazer discurso na High School, defendendo os terroristas árabes que destruíram as Torres Gêmeas, o que a leva a ser perseguida pelo FBI, que suspeita de seja possível terrorista (bem, se ela não era ainda, com certeza irá se tornar, diante de tanta falta de sensibilidade, aliás das duas partes).
Há mais uma trama paralela, sobre Claire Shepard (a talentosa Alice Eve) uma jovem atriz australiana, que faz tudo para ter um green card, a ponto de dormir com Cole Frankel um agente do governo que concede vistos (Ray Liotta), que por sua vez é casado com Denise (Ashley Judd, outra deformada pelo botox), uma advogada de direitos humanos que deseja adotar uma menina africana. E, por fim, um único caso, tratado com certo humor: Gavin Kossef (Jim Sturgess de “24“ e Across the Universe), um músico judeu (mas que não professa a religião), que tenta conseguir o green card em termos religiosos.
O elenco é muito irregular, com casos comprometedores (são péssimos o irmão árabe do policial e a menina que faz o discurso, que nunca consegue atrair alguma simpatia a seu personagem).
(Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 13 de abril de 2009)