Crítica sobre o filme "Partida, A":

Rubens Ewald Filho
Partida, A Por Rubens Ewald Filho
| Data: 14/08/2009

O rigor ritualístico oriental é um dos atrativos centrais de A partida (Okunibito; 2008), filme dirigido pelo japonês Yojiro Takita. Outro atrativo é a sensibilidade inteligente de que se vale o cineasta para narrar uma história engraçadamente sentimental (ecos do cineasta italiano neorrealista Vittorio de Sica?).

O ponto de partida de A partida é mórbido. Um jovem músico, quando a orquestra em que trabalha é dissolvida, sai à cata de emprego e vai ter a uma funerária que ele julgava ser uma agência de turismo (a expressão “ajudando a partir†o confundiu, pois pensou em viagens e não na morte). Reticente a princípio, o jovem acaba profissionalizando-se na função de preparar os corpos para os funerais. Desde o início, o coeficiente de morbidez é tratado com humor, muitas vezes sutil e enviesado, sem a grosseria habitual do cinema de humor ditado por um filão do cinema americano que tanto agrada à juventude; o trágico mórbido e a ironia de narrador se contrabalançam bem ao longo do filme.

Toda a sequência inicial, com o rapaz preparando um jovem corpo morto de um travesti, é uma apaixonante aula de rito cinematográfico; isolada do filme, que tem seus altos e baixos, a sequência é uma obra-prima de construção de gestos da personagem e planos cinematográficos (que são os gestos da câmara). E a emoção final, com o rapaz preparando o corpo do pai que o abandonou na infância e ocorrendo que a esta preparação minuciosa e emotiva assiste a esposa do jovem que está grávida, articula as exacerbações melodramáticas com uma leveza formal que surpreende.

O que bem ocorre em A partida é a amostra de como um belo filme pode chegar ao espectador de mansinho, sem apelações espetaculares. (Eron Fagundes)

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É engraçado como não conhecíamos o diretor Yojiro Takita, apesar de ele ter feito mais de 40 filmes e, de repente, sem qualquer preparação, ter ganhado o Oscar® de Filme Estrangeiro (que é sempre uma surpresa, por mais que mexam na organização deles, tem sido sempre injusto; nunca, ou quase nunca, ganha o mais famoso, ou mais consagrado). Mas podiam ter feito pior. Este é um filme muito japonês, muito oriental, muito delicado, falando da morte com discrição e mesmo afeto. Começa muito bem com dois empregados de um serviço funerário, o mais velho senhor Sasaki (Tsutomu Yamazaki) e seu empregado, ainda em treinamento, Daigo (Masahiro Motoki). Eles chegam à casa de uma família e vão preparar o corpo de uma moça, quando esbarram numa surpresa, e a contornam com muita classe. Aos poucos, vai-se contando a trama central: Daigo perdeu o emprego em Tóquio, antes mesmo da crise - ele é violoncelista de uma orquestra que faliu - e, acompanhado da mulher (Ryoko Hirosue), retorna à sua pequena cidade natal, para morar na casa que pertenceu à sua mãe. O trabalho na funerária é visto com preconceito (limpar e maquiar cadáveres), mas não há discussão sobre o após morte; todo o ritual é para os vivos aceitarem melhor a partida e, eventualmente, cremação, como é hábito no Japão. O conflito maior é que o herói não conta para sua esposa o que faz e, eventualmente, faz as pazes com seu passado. Um filme bonito, poético mesmo. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 19 de julho de 2009)