Crítica sobre o filme "Casamento de Rachel, O":

Wally Soares
Casamento de Rachel, O Por Wally Soares
| Data: 22/08/2009
A pura simplicidade que rege O Casamento de Rachel poderia muito bem se tornar um elemento de “convenção†e “tradicionalismo†e, tendo como base a filmografia eclética de seu diretor, Jonathan Demme (Sob o Domínio do Mal), não faria muito sentido. Demme, que já dirigiu os excepcionais (e antagônicos) O Silêncio dos Inocentes e Filadélfia, nunca se deixou levar pelo lugar comum. E é por isso que o que fez em O Casamento de Rachel não deva ser mal interpretado. Partindo de um roteiro delicado e diversamente brilhante de Jenny Lumet (filha do diretor Sidney Lumet – em seu primeiro trabalho), Demme opta por fazer um filme sem artifícios cinematográficos afiados ou ousadia narrativa. Sabendo que os personagens dos quais tem em mão são densos, intricados e intensos, ele filma de uma forma intimista, simples e quase documental, capturando o casamento como se fosse uma filmagem caseira de uma ocorrência de nossa própria família. Uma sábia escolha, tendo em vista que o resultado final é um drama belo, tocante e com o qual – graças a Demme – pode ocorrer uma clara identificação por parte da audiência.

O filme começa nos introduzindo à instável Kym (Anne Hathway), que vive entrando e saindo da casa de reabilitação, ao ganhar um fim de semana para passar com sua família, durante o casamento de sua irmã, Rachel (Rosemarie DeWitt). O casamento, porém, logo se transforma numa cerimônia de emoções à flor da pele, quando a chegada de Kym traz a tona sentimentos enterrados. O longa inicia-se então com a saída de Kym da casa de reabilitação, e a câmera (e o espectador) vai a seguindo enquanto passa o fim de semana no casamento da irmã, nos envolvendo nas intimidades que começam a surgir entre os membros da família. Vem a tona, por isso, alguns elementos já batidos neste típo de filme em que certo personagem volta para casa enfrentar seus esqueletos no armário. A diferença aqui é que nada soa falso. Genuinamente dirigido e escrito com uma sensibilidade chave, a fluidez do filme é algo incrível e quando menos se percebe você estão tão imerso no filme quanto nos próprios personagens. Culpa de diálogos críveis, emoções cruas e, obviamente, um elenco essencial. E aqui, todos possuem alguma ressonância e trazem algo particular a seus respectivos personagens.

O maior deleite seja, talvez, Anne Hathaway que, desde O Diabo Veste Prada, vem demonstrando ser boa atriz. Aqui, porém, ela nos surpreende ao mostrar que é uma extraordinária atriz. E sem exageros. A performance de Hathaway é simplesmente formidável. Na forma como conduz suas emoções descarrilhadas, vence a simpatia da audiência mesmo diante de um caráter falho, e quase nos traz à lagrimas em cenas em que surge completamente submersa nos sentimento à flor da pele de Kym. A representação simbólica de sua personagem; deslocada, trágica e traumatizada, acaba tocando afundo e Demme não hesita em extrair de Hathaway o máximo possível. E o mesmo se aplica ao resto. Temos um tour de force excepcional de Bill Irwin (Across the Universe), uma magnífica Rosemarie DeWitt (A Luta Pela Esperança) e uma Debra Winger (Um Funeral Muito Louco) em participação muito especial. Talentos que constroem aqui personagens realistas e maduros, ancorados ao nossos mais íntimos dia a dias. Por isso, suas particularidades ecoam e transformam O Casamento de Rachel em não só um panorama de culturas (pois é o casamento mais ricamente cultuado e detalhado que já testemunhei – e realmente sentimos como se fossemos testemunhas), mas num panorama de relações humanas mais íntimas. E isso torna tudo muito belo.

Não teve imagem mais singela e bonita neste ano, por exemplo, do que aquela em que traz quatro dos personagens confortavelmente entrelaçados. E a simples pureza da cena já seria incrível, mas o sentimento incrível de ternura que transmite é algo reservado aos patamares dos grandes filmes sobre seres humanos. Pois O Casamento de Rachel não hesita em momento algum ao escancarar seus personagens, defeitos e tudo, em debates calorosos. Feridas abertas e ardentes que transformam a sessão num drama particular dos mais densos. A força do filme é única. Seus personagens são geniais e tudo é construído com muita desenvoltura. É uma prova da virtuosidade da pura simplicidade e um atestado à sensibilidade de Jonathan Demme, que nos fez chorar com Filadélfia. Mas mais que isso, O Casamento de Rachel sempre sobreviverá como o filme que escancarou a preciosidade de Anne Hathaway. Só espero que ele seja lembrado – também – por sua imensa beleza.