Crítica sobre o filme "Anjos e Demônios - Locação":

Wally Soares
Anjos e Demônios - Locação Por Wally Soares
| Data: 31/08/2009
Quando O Código Da Vinci veio às telas, em 2006, ele chegou com um estrondo. O bestseller de Dan Brown havia sido lançado há pouco tempo e a polêmica acerca da obra se refletia na ansiedade quanto à versão cinematográfica que, claro, arrebentou em bilheteria. A crítica, nada receptiva, não o acolheu tão bem. De fato, o filme de Ron Howard tem seus inúmeros defeitos (no geral graças ao roteiro simplório), mas a direção de Howard elevou à obra ao status de entretenimento maleável. A obra que precede o polêmico livro de Brown, Anjos e Demônios, acabou levando o título de sequência e chegou este ano ao cinema sem maiores polêmicas, mas com roteiro bem mais polido e intelectualmente instigante. Ao contrário de O Código Da Vinci, o novo filme é mais real e pé no chão, trazendo a tona conflitos interessantes acerca da religião e o papel do homem neste meio. E, por focar temas mais humanos e, de fato, mais envolventes, a obra atinge um nível consideravelmente recomendável. Só não mais por trazer vários dos habituais tropeços cometidos pelo antecessor e por ser, em suma, muito parecido em questões de estilo e condução.

Desta vez, o simbologista Robert Langdon (Tom Hanks) vai ao Vaticano após ser chamado para interpretar o assassinato de um físico. Langdon logo se vê, ao lado da filha da vítima, envolto em uma trama conspiratória que coloca a irmandade dos Illuminati como os suspeitos pelo assassinato e o então sequestro de quatro cardeais, logo depois da morte do Papa. O plano da irmandade, como seria de suspeitar, é o resultado do desejo de vingança à igreja, quando esta ainda residia em sua idade das Trevas. Em outras palavras, nada de polêmicas bíblicas ou verdades alternativas. A trama do filme é realmente real, e se sai bem sucedida quando investe nas implicações do título sob seus personagens. Um diálogo em especial, de um cardeal, marca: “Religião é falha porque o homem é falhoâ€. De fato, a religião foi corrompida pelo homem, em todos os sentidos possíveis. E o filme parte desta ambição, de trazer a tona o mal que pode existir dentre o bem. E, a partir disto, inicia outro debate bastante interessante acerca do embate entre Fé e Ciência, dois opostos. E o filme então se enriquece graças à tais atribuições valiosas. É uma pena que, na maior parte das vezes, o filme nos ocupa com explosões e cenas de perseguição, quando poderia estar dando uma ênfase mais exemplificada nos temas que arrebata.

Howard traz, em síntese, os mesmos artifícios usados na condução de O Código Da Vinci. Tomadas longas e dramáticas, fotografia iluminada e planos abertos. No geral, nada de muito diferente. A falta de renovação na linguagem pode cansar, e o filme, correndo com quase 140 minutos de duração, pode soar inchado. Mas Howard consegue manter sua atenção, envolver e criar um clima de instigação proveitoso. A ação é bem filmada, como também é o suspense (que ganha ajuda da trilha sonora eficiente de Hans Zimmer, em trabalho muito bonito) e a obra se qualifica como um exercício em entretenimento hábil. O que pode vir a frustrar em Anjos e Demônios é a falta de ambição introspectiva. Ou a noção errônea de introspecção profunda. O roteiro, escrito por Akiva Goldsman – colaborador frequente de Howard e roteirista de O Código Da Vinci – e revisado por David Koepp, traz seus atrativos como os mencionados. O livro de Dan Brown deve ser, na verdade, um ponto de partida bom. Então o roteiro parte de ótimos elementos e discussões humanas e religiosas proveitosas. O problema é que Goldsman e Koepp se contentam em tratar tais virtuosos temas de formas ligeiras, nunca os provocando até o máximo. E, quando decidem se aprofundar, soam um tanto superficiais, como na cena em que traz o Camerlengo Patrick McKenna – muito bem interpretado por Ewan McGregor – palestrando os cardeais sobre os fundamentos da religião. Uma cena tola que é a síntese do filme. Muito bem filmada, atuada e tocando em temas interessantes de uma forma não tão esperta quanto acredita.

Além de um ótimo McGregor, que cria um personagem fascinante, temos Tom Hanks sem o mullet e em domínio de sua técnica. Já sua parceira de cena, Ayelet Zurer, é lamentavelmente inexpressiva. Mas o longa traz outros dois desempenhos memoráveis, com Stellan Skarsgard e, em especial, Armin Mueller-Stahl. O elenco une-se à parte técnica como dois aspectos do filme incontestáveis em qualidade. Anjos e Demônios conta com bela fotografia, direção de arte exemplar, montagem eficiente e a já mencionada poderosa trilha sonora. Ron Howard é um diretor de imagem, e sua condução extrai o que há de mais belo e transcendente em locações e sequências de ação.

Se O Código Da Vinci funcionou graças ao entretenimento revestido sob o absurdo e na direção segura de um cineasta cheio de pompa, Anjos e Demônios o supera um pouco ao colocar em meio ao entretenimento gratuito aspirações de um filme sério. Mesmo que, de fato, ele nunca almeje ser um profundo conto sobre a dualidade do homem. Mas nem por isso ele não pode fingir ser. E Anjos e Demônios finge muito bem. Te manipula até o último momento e, no final, te faz acreditar que viu uma obra completa. Refletir sobre tudo depois que é o déficit. Então se deixe ser manipulado, e divirta-se. No final, a percepção de defeitos é inevitável. Mas leve para casa também o retrato levemente provocador do filme sobre a religião e os homens que a habitam.