É surpreendente testemunhar o que Zack Snyder (300) almejou com sua adaptação da consagrada HQ de Alan Moore que, densa em suas implicações sociais, políticas e psicológicas, foi encarada por muitos como inadaptável. Apesar de arestas e falhas ocasionais, é mais do que sensato declarar que essa maioria estava errada, e que Snyder não só fez uma excitante obra cinematográfica, mas traduziu o mundo criado por Moore com uma fidelidade absurda. A verdadeira surpresa aqui, porém, é ver como Snyder driblou Hollywood e conseguiu fazer um blockbuster que é tudo menos um blockbuster. WATCHMEN: O FILME pode ter custado US$100 milhões, mas a julgar pelo que o filme demonstra, Snyder teve uma autoria sobre o projeto invejável. Obtendo censura máxima e contando com uma duração extensa julgada inapropriada para um arrasa-quarteirão, tudo na concepção deste filme soa atípico. E a abordagem de Snyder é uma completamente original e totalmente apaixonada no que se diz acertar a tradução e realmente mostrar o que a graphic novel pretendia. Os efeitos especiais caríssimos que testemunhamos, portanto, não são de inúmeras cenas de ação, mas de uma estética detalhadamente arquitetada para reviver tanto o tom da obra original, quanto o clima. Não esperem, portanto, um blockbuster como foi vendido. WATCHMEN: O FILME é uma densa ficção-científica que estimula o intelecto e lhe transporta para um mundo fantasticamente concebido.
O orgasmo visual pretendido por Snyder aqui é o primeiro elemento a impressionar. E a impressão realmente é absoluta. A produção técnica arriscada criou cenários dignos e uma arte visual espetacular em seus detalhes e significâncias. A fotografia é uma maravilha em unir tons e quebrar outros, enquanto a parte técnica ainda vislumbra com figurinos impecáveis, efeitos fantásticos nunca exagerados e uma textura visual emblemática por carregar tamanha densidade em suas simbologias. O filme poderia então ser mudo que ainda assim conseguiria entreter, já que Snyder eleva sua imaginação e seu talento cinematográfico a toda prova com sequências desenhadas com vigor e beleza. Mas se fosse mudo, supriria o brilhantismo por trás do texto, que nos mostra o que teria sido do mundo durante a Guerra Fria se houvesse na terra uma força digna de um Deus. Mas WATCHMEN: O FILME nunca dialoga pelo literal. Por trás de sua narrativa bem estruturada, ele nos remete a temas diversos que surgem como discussões e provocações sempre interessantes sobre a condição humana. Sobre moralidade, crime e subversão. E, mais importante, como o mundo em si funciona diante de ameaça. E se, diante do deplorável, a raça humana merece ser salva. A ressonância da cínica visão sobre o mundo e o ser humano transforma WATCHMEN: O FILME num filme que não só tem algo a dizer, mas serve como uma profunda reflexão sobre temores e a culminante fragilidade do ser humano. E este lado fascinante do filme apenas entrega uma força maior, concretizada pelo talento de Snyder em construir um filme visualmente e estruturalmente excitante. É inegável, porém, que não se trata de uma obra perfeita. O ritmo do filme não foi acertado e apenas suas interessantes complexidades o deixam vivo diante de um cenário de ação quase nulo. E isso pode tornar as mais de duas horas e meia em algo difícil. As idas e vindas no tempo do roteiro também não fluem da melhor maneira em momentos, que por sua vez ganha ajuda de uma edição hábil. Mas na maior parte das vezes que surge um elemento fora de lugar, um excesso ou um defeito mais gritante, a decepção é amortecida quando logo em seguida somos surpreendidos por mais uma virtude. Então o filme pode ter seus defeitos, mas seu belo equilíbrio acaba por desnutri-los. Algo que ocorre, por exemplo, com a trilha sonora. Cheia das mais geniais canções, de Bob Dylan à Simon & Garfunkel, algumas soam deslocadas. Mas isso em prol, novamente, da fidelidade. Alguns capítulos da HQ vinham com títulos que remetiam às canções escolhidas por Snyder para compor o filme. E, em questões de clima, foram grandes acertos. Um defeito subjugado por uma virtude maior que ele.
Não tem o que reclamar do elenco. Todos muito competentes. Talvez a única decepção esteja reservada à Malin Akerman, que pouco convence apesar das curvas. Já seu par, Patrick Wilson, exibe novamente seu conhecido talento. Dividido por Jackie Earle Haley, que pouco aparece pessoalmente mas que almeja o incrível por debaixo de uma máscara. O mesmo merece ser dito quanto à Billy Crudup que, revestido de CGI, entrega uma potente performance. Ainda há lugar de sobra para o admirável Matthew Goode e, principalmente Jeffrey Dean Morgan, exercitarem talento. E Morgan está eletrizante. O versátil elenco pinta um painel rico muito como o qual o próprio filme representa em termos narrativos. É uma digna obra cinematográfica que pode ser falha, mas que se demonstra ousada, corajosa e complexa o suficiente para nos convidar para novas revisões. E, para quem não teve a oportunidade de vê-lo nos cinemas, resta apenas lamentar, já que a estética formidável merece ser aproveitada dentre as maiores circunstâncias possíveis.