Crítica sobre o filme "Homem Que Amava as Mulheres, O":

Eron Duarte Fagundes
Homem Que Amava as Mulheres, O Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 07/09/2009
É com delicado erotismo que o cineasta francês François Truffaut homenageia as fêmeas humanas em O homem que amava as mulheres (L’homme qui aimait les femmes; 1977). Alguns anos depois o italiano Federico Fellini faria um filme sobre o feminino na mente dos homens em A cidade das mulheres (1980). Mas as mulheres de Fellini são mais cheinhas, peitudas e têm aqueles rostos esquizofrenicamente italianos; o resultado é mais agressivo e voraz em Fellini, com aquelas bundas gigantes que parecem comer os olhos do espectador. Truffaut é cheio de sutilezas e sofisticações gaulesas: o protagonista de seu filme é fascinado por pernas femininas e Truffaut é amoroso e reverente ao filmá-las em ação; mesmo quando filma uma bunda de mulher, o que interessa à lente de Truffaut é a estilização do andar, que Truffaut estiliza ainda mais com seu jeito de filmar.

Bertrand Morane parece um desdobramento madurão de Antoine Doinel, a personagem autobiográfica que Truffaut acompanha desde Os incompreendidos (1959), desde a infância; e Truffaut, ao dirigir Charles Denner na pele de Bertrand, impõe-lhe um ritmo de interpretação de Jean-Pierre Léaud, o intérprete de Doinel. A fascinação de Morane pelas mulheres é a fascinação de Truffaut.

A narrativa se abre no próprio enterro da personagem; este enterro é acompanhado somente por mulheres. Quem narra inicialmente é a criatura vivida por Brigitte Fossey (lembram aquela menina perdida na guerra no clássico Brinquedo proibido, 1952, de René Clement?); Fossey interpreta Genevieve Bigey, que foi editora do primeiro e único livro do protagonista (a princípio chamado “O conquistadorâ€, título ao final substituído por “O homem que amava as mulheresâ€) e também uma das muitas amantes deste Casanova ao avesso. É também no início do filme que o próprio Truffaut aparece figurando na imagem, como um indivíduo que se desloca num estacionamento de carros; à maneira de seu mestre Alfred Hitchcock (a quem ele dedicou um livro de entrevistas), Truffaut se põe fisicamente dentro de seu próprio filme, aqui igualmente para dar uma pista sobre sua identidade com a personagem.

Com seu gosto pelo superficial e pelo fugidio, com sua montagem saltitante que ele exercitara com mais criatividade em Uma mulher para dois (1961), Truffaut faz de O homem que amava as mulheres uma obra leve, divertida, mas dotada duma poesia cinematográfica de que só ele tem a receita. Entre os achados do elenco, um velho Jean Dasté como o médico que descobre a gonorreia do protagonista. Lembram Dasté bem jovem, formando par com Dita Parlo, em L’Atalante (1934), do francês Jean Vigo? (Eron Fagundes)