Não se deixe enganar pelo título brasileiro fraudulento. Heróis não tem nada a ver com o seriado americano popular "Heroes", e nem se quer traz personagens heróicos. Na trama do filme, que lembra bastante as engrenagens de "Jumper", um grupo de pessoas com poderes paranormais diversos são perseguidas por uma organização afim de usar seus podres em experimentos militares. É aquela velha história de sempre, que ganha uma introdução toda superficial nos créditos de abertura. É válido discutir que o roteiro do filme dá menções à uma possível tentativa de salvar o mundo, mas o filme nunca abraça esta pretensão. Então seus super-humanos nunca chegam a ser super-heróis. De qualquer forma, é nos conceitos que Heróis engata e cativa. Seus "heróis" apresentam poderes dos mais diversos e divertidos, desde os que movem objetos, manipulam mentalmente, vêem o futuro, berram fazendo seu ouvido sangrar, cheiram para rastrear, desmancham memórias, disfarçam, e finalmente, curam. Acho que deu para lembrar de todos. Enfim, é nesta diversidade paranormal que Heróis tem seu ponto de interesse. Mas, como acontece com quase tudo que existe de bom no filme, não é explorado decentemente.
O diretor do filme é Paul McGuigan, cineasta que apresentou um estilo formidável em À Flor da Pele e criatividade em Xeque-Mate, dois trabalhos que possuíam fracos da mesma forma que virtudes, mas mais pelo texto que pela condução, que por sua vez chamou atenção. E em Heróis McGuigan volta a mostrar sua capacidade virtuosa como cineasta. O diretor esconde câmeras em carros, becos e janelas para retratar seus personagens em ruas e cômodos, abusa da câmera na mão e insere uma vertigem realista interessantíssima. Mas toda essa desenvoltura não é vingada. A pretensão existe, e vemos esforço e idéias, mas McGuigan não à eleva ao máximo. Talvez por pressão de um estúdio temendo o que ele poderia vir a transformar o projeto rentável, ou talvez mesmo por uma imaturidade em questões de linguagem. As virtudes existem, só não são bem trabalhadas a ponto de impressionarem, ou mesmo fazerem o resto valer a pena.
Dito isso, o roteiro do filme é uma bagunça. Extremamente incoerente, despojado e indireto, falha ao instigar, e o fator humano afunda pela falta de densidade. McGuigan revelou à imprensa que deixaria a ação de lado para dar atenção aos personagens, e de fato vemos esta tendência. Mas o roteiro de David Bourla simplesmente não funciona neste quesito (e em quase nenhum outro). O charme e calor humano habitual dos personagens vem de seu elenco. Mas vale ressaltar que nem todos estão de acordo. Chris Evans (Os Reis da Rua) e Dakota Fanning (O Efeito da Fúria) lideram o elenco, e o próprio filme. Evans traz uma introspecção interessante, enquanto Dakota se submete totalmente às frivolidades de sua personagem. Nada arrebatador, mas ambos atores fazem com que o projeto tenha um ponto de interesse que vá além da técnica da produção e do técnico do roteiro. Por outro lado, a insossa Camilla Belle (10.000 a.C. ) destrói toda cena em que dá as caras. A inexpressividade dela é impressionante. E o grande Djimon Hounsou (Quebrando as Regras) se submete à uma canastrice que chega a ofender.
O lamentável mesmo nisso tudo é que existe um bom filme aqui. Por trás das inconsistências, da trama boba e dos elementos enfadonhos, existe uma obra lutando para ser libertada. E esta obra escondida ganha ares quando nos deliciamos com cenas simples que ganham tratamento delicioso de uma inspirada trilha sonora. Ou mesmo em focos mais doloridos de seus personagens (os dois protagonistas). E é, sim, divertido veremos os poderes em ação. Mas, ao mesmo tempo, é frustrante. Poderes tão criativos ganham tratamento decente de belos efeitos especiais (bastante naturais, pouco artificiais) e garantem boas cenas de entretenimento. Mas a cena termina e você não fica satisfeito. Porque você sabe que o apresentado poderia ter rendido muito mais, não só em termos visuais, mas em termos narrativos e contextuais. E esta decepção pesa, imensamente, na hora de apreciar a obra como um todo. A frustração é incontestável.
E então, depois de frenéticas fugas, escapadas e muita demonstração de poder para o deleite da audiência, o filme chega ao seu clímax, que traz os óbvios elementos que esperaríamos, novamente não explora o que tem em mãos à potência máxima, e envia o espectador para fora do filme pensativo. Não refletindo sobre temas humanos provocados pelo enredo (nem de longe). Não, a reflexão é diante da frustração, e a incessante certeza de que "Heróis" tinha muito a mais a dar se não tivesse sucumbido tanto ao usual em contraponto à suas tão refrescantes idéias que surgiam de momento em momento. O lirismo esmiuçado pelo burocrático. A criatividade esmagada por clichês. Os personagens curiosos abalados pela irrelevância. Equívocos destruidores de uma obra de virtude. No final das contas, somos deixados com Heróis, o fraco e "assistível" filme de ficção-científica que será esquecido dentro de pouquíssimo tempo. Não parece ser o filme que Paul McGuigan achou que estava fazendo.