Crítica sobre o filme "Mistérios das Duas Irmãs, O":

Wally Soares
Mistérios das Duas Irmãs, O Por Wally Soares
| Data: 29/09/2009
Em qualquer outro caso, a abordagem de O Mistério das Duas Irmãs – refilmagem do coreano Medo lançado há apenas seis anos – seria de suspeita, desaprovação e, finalmente, desgosto. Ao menos é que ocorre com 90% das refilmagens de filmes de terror orientais em Hollywood. Mas, volta e meia, podemos ser surpreendidos. O Mistério das Duas Irmãs não vai lhe deixar marcado, ou muito menos impressionado. É bem provável que a obra seja desmanchada de sua mente em curto período de tempo. Isto não evita, porém, que o filme denote, em um território assolado por refilmagens terríveis e filmes de terror medíocres, um interesse que vai além da mera convenção para articular virtudes mais embasadas no que o terror no sentido clássico da palavra tem a oferecer. Os cineastas confiam em seus personagens, na força do psicológico e na manipulação da linguagem cinematográfica e, com isto em mãos, articulam um decente filme do gênero que se torna entretenimento proveitoso diante da presença incontestável de valores perdidos.

Narrar a história do filme é um ato por si só temeroso. As complexidades que residem no enredo (oriundas do filme original, obviamente) não devem ser abordadas de formas leves e lineares. Entretanto, é necessário situar a audiência no centro da manipulação. O filme tem início com um sonho de Anna (Emily Browning) cercado de atmosfera, sustos e eventos trágicos. Logo cortamos para um hospital psiquiátrico, onde Anna está sendo tratada e atualmente narrando seu sonho para o médico. Sua mãe doente morreu numa explosão e ela não se lembra da noite do ocorrido. Ela tentou cometer suicídio, foi parar no hospital e entende que seus sonhos querem lhe comunicar algo. E então ela é dada alta, volta para casa com seu pai carinhoso e retoma a amizade com sua irmã. Logo, as irmãs começam a suspeitar de Rachel (Elizabeth Banks), a futura madrasta que esconde passado sombrio. É quando Anna começa a ser assombrada pelos seus sonhos.

O longa inicia-se com a nota certa. Um sonho interessante, seguido por uma análise psicológica deste e, logo depois, diálogos honestos entre seus personagens. E então a história lhe fisga. Aos poucos, o apego com a personagem de Anna é inevitável. Interpretada por Emily Browning de forma vulnerável e inocente, é exatamente o que a protagonista de um filme de terror teria que ser. As engrenagens do enredo começam a acelerar e é aí que o filme começa a passear por estradas habituais e corrosivas. Toda aquela situação de “garota que não é compreendida e começa a ser assombrada por fantasmas que querem ajuda†é algo passado e cansado. Os cineastas não se dão ao trabalho de compor estas idéias de formas mais criativas, acreditando muito no poder que o desfecho da obra terá para estes elementos. A questão é que nem sempre é o destino que importa, mas a jornada. O filme acerta na atmosfera, na belíssima trilha, na ótima fotografia e na utilização mínima de efeitos especiais, mas é infalível na hora de apostar em elementos usuais na composição do terror. Até a primeira hora de duração, o filme se situa na mera convenção. Ele se declara um terror sobrenatural, vez ou outra trabalha a complexidade de seus personagens mas quase sempre oscila o olhar mais astuto para o mais burocrático. E, nisso, a frivolidade do ato vem a tona. O terror é muito manjado para funcionar dignamente. Mas o drama humano e o suspense psicológico te deixam instigado e afim de conhecer qual fim terá está história tão estranhamente composta. E o desfecho é uma surpresa no melhor sentido da palavra. Traz consigo uma forte revira-volta e transforma o filme de então em um totalmente diferente. De repente, somos obrigados a perdoar falhas que apenas faziam parte da manipulação ilusória, mas ao mesmo tempo começamos a perceber furos e imperfeições. No fim das contas, o que mais importa é a força humana e psicológica que a história ganha, e o refresco que é testemunhar uma obra hollywoodiana retratar algo tão avesso ao gênero cansado de hoje em dia. E é aí que o filme ganha seu respeito.

É delicioso, ao fim da obra, analisar as questões psicológicas que cercam os personagens, suas reais intenções e o drama intenso que vivem. Mesmo que, de fato, os diretores (e o próprio roteiro) nunca realmente investem afundo nestas particularidades. A obra termina com mais ou menos noventa minutos de duração, e é inevitável imaginar um filme mais completo e maduro. Por ora, porém, basta. Tecnicamente, a obra satisfaz, ainda compondo cenas com movimentos de câmera sempre intrigantes. O elenco, por sua vez, é sempre proveitoso. Elizabeth Banks faz com que sua personagem equivocada ganhe estado de espírito e David Strathairn traz peso ao personagem do pai. O que temos, ao fim do filme, é uma obra que conseguiu reunir admirável número de virtudes em contraponto à falhas. E então nos tornamos mais aptos a entreolharmos estes tais defeitos para simplesmente apreciar o filme pelo o que ele é: entretenimento eficaz e levemente dignificado por valores escondidos entre pretensões óbvias. O que permanece contigo é a força humana do projeto, e isto é sempre bom (além de raro).