Por Wally Soares
| Data: 01/10/2009
Como explicar o sucesso de A Era do Gelo 3, animação que superou Titanic no comando das maiores bilheterias do Brasil e se tornou, mundialmente, a segunda maior arrecadação dentro de seu gênero? Fácil. A animação do brasileiro Carlos Saldanha é uma união harmoniosa entre entretenimento irrefutável, humor acertado e personagens simpáticos. Em outras palavras, o essencial para agradar tanto um público mais abrangente quanto um mais exigente. Ainda que esteja recheado de falhas e lugares comuns, a animação alça vôo ao enxergar o elemento que faltava para os filmes anteriores elevarem, e resgata ainda as virtudes que os tornaram obras agradáveis. É bem possÃvel que A Era do Gelo 3 seja o melhor de todos justamente pela capacidade de Saldanha de explorar (literalmente) as profundezas de sua história em questões visuais. Neste filme, a série se desprende do clima plenamente azul e branco marcado pelos longas anteriores, e embarca em território vÃvido e composto com talento. A audiência então submerge neste mundo com pleno prazer e confiança, e tem lá diversão garantida.
A trama do filme traz de volta os mesmos já clássicos personagens. Scrat, o esquilo, ainda persegue sua noz, encontrando no caminho uma paixão. Enquanto isso, Manny e Ellie, os dois mamutes, estão prestes a se tornar pais. Isso acaba distanciando Diego e Sid, que se sentem excluÃdos ao verem os mamutes construindo uma famÃlia própria. É quando Sid decide procurar sua própria famÃlia, encontrando três ovos abandonados. Os ovos logo se transformam em pequenos dinossauros, e não tarda até que Sid se vê raptado pela mãe dos filhotes, que o leva à uma terra perdida debaixo do mundo gélido (esqueça a lógica). Consequentemente, os amigos de Sid se vêem numa missão de resgate, encontrando novos desafios e personagens ao entrarem na terra subterrânea onde os dinossauros ainda não foram extintos.
A Era do Gelo 3 começa no mesmo clima dos anteriores. Com Scrat protagonizando a primeira cena, e arrancando risadas acertadas a todo momento, é um momento antológico onde o visual e as expressões dos personagens dialogam mais que palavras. É caprichoso, digno e imensamente divertido. Logo cortamos para os outros personagens, e iniciamos a aventura de uma forma menos equilibrada. Todos os elementos usuais estão presentes, e o drama ali construÃdo não é dos mais interessantes. Ainda assim, os personagens almejam se destacar e logo vencem a audiência com o charme devido. Sid, o bicho preguiça, continua comandando o humor. Sua dublagem funciona de forma idÃlica (tanto em versão original, quanto em brasileira), e o humor que provém de sua inocência é sempre um tiro certo ao alvo. O mesmo não pode ser dito pelo mamute, Manny, cujas cenas são as mais enfadonhas da obra.
O elemento mais expressivo de A Era do Gelo 3, no final das contas, é seu visual. Em meio à imagens, Saldanha transforma sua narrativa outrora tão vaga em uma forma realmente lÃrica de contar uma história de aventura. Com pitadas abundantes de humor (quase sempre totalmente eficiente) e pitadas leves de romance, a obra enche os olhos não pelo espetáculo digital (e quem teve a chance de conferir o filme em 3D sabe o quanto é impressionante), mas pela criatividade com a qual os criadores conduziram suas cenas. A montagem nunca cai no gratuito e utilizam os elementos em tela sempre com muita imaginação e (pasmem!) genialidade. A junção entre o que é insinuado em meio à artifÃcios visuais e o que é provocado por uma trilha sonora deliciosa faz com que A Era do Gelo 3 se desprenda de suas limitações, principalmente em termos de roteiro. De fato, não há ousadia, e nem mesmo a densidade que tanto paira nas animações da Pixar. No fim das contas, a ausência destes elementos pesam. Mas a animação encontra seu espaço como entretenimento fervoroso, e não ganha este tÃtulo trapaceando. O filme faz merecer todo seu sucesso.
A A Era do Gelo 3 tem seus momentos excessivamente burocráticos, aqueles exageradamente leves e personagens que não parecem trazer nada de novo. E, infelizmente, o filme deixa de ser uma bela animação por pecar em suas arestas. O desequilÃbrio existe. Mas é também do tipo de animação que precisa ser abordada não com um apetite a la Gusteau. É preciso ter a noção de que os criadores não possuem ambições de realizarem um sucessor de Ratatouille, e é triste constatar a verdade de que A Era do Gelo 3 poderá ser levianamente esquecida após embarcamos na nova aventura proporcionada pela Pixar chamada Up . Mas, ambições e anseios postos de lado, é preciso reconhecer a animação de Saldanha por instituir um certo frescor. Alguns personagens voltam cansativos, mas outros com a mesma energia e, um em especial, atribuindo um novo grau de senso de aventura. E é nestas atribuições, particularmente nas que trazem uma energia estética vibrante, que garantem que A Era do Gelo 3 seja a maior bilheteria da história no Brasil, mas que também seja uma obra que, em menor ou maior grau, tenha merecido sua colocação. Bem estar, divertimento e humor exacerbado não são elementos que devem ser subestimados.