Crítica sobre o filme "Star Trek":

Jorge Saldanha
Star Trek Por Jorge Saldanha
| Data: 14/11/2009

Mais de quatro décadas após o lançamento da Série Clássica de JORNADA NAS ESTRELAS, a franquia da Paramount, verdadeiro patrimônio da cultura pop, parecia morta e enterrada. Restritas a um nicho de público, as mais recentes produções para TV e cinema, capitaneadas por Rick Berman e sua turma, não agradavam nem mesmo aos mais fanáticos trekkers. Isso até que em 2006, com o relançamento das aventuras da nave Enterprise em alta definição, foi anunciado o início da produção de um novo filme a cargo de J.J. Abrams.

Abrams, criador de algumas das séries de TV mais interessantes deste novo século (ALIAS, LOST, FRINGE) e assumidamente um fã de ficção científica, parecia a escolha certa para esta missão aparentemente impossível (coincidentemente, o primeiro filme que dirigiu foi MISSÃO IMPOSSÃVEL III, também para a Paramount). Isso porque a ideia era fazer um filme que extrapolasse o atual nicho de JORNADA NAS ESTRELAS e colocasse a franquia no patamar dos grandes blockbusters do verão americano. E deu certo - se este STAR TREK (título simplesmente em inglês, sem tradução em nenhum lugar do mundo) não foi o filme mais rentável da temporada, foi considerado pela maioria da crítica especializada como o melhor.

Depois do atribulado e caro JORNADA NAS ESTRELAS – O FILME (1979), nenhum dos outros nove longas tiveram um tratamento de superprodução. Mas isto mudou no novo STAR TREK, que recebeu um generoso orçamento de U$ 150 milhões que vemos estampado na tela – seja nos excelentes efeitos visuais da ILM, seja nos elaborados cenários e paisagens deslumbrantes. O desenho de produção buscou manter elementos tradicionais da SÉRIE CLÃSSICA (como o design da nave e dos uniformes), porém “atualizados†com uma estética retrô. Indiscutivelmente, um filme bonito.

Em STAR TREK Abrams contou com o auxílio de alguns dos seus colaboradores habituais para ajudá-lo na empreitada, como os roteiristas Roberto Orci e Alex Kurtzman (MI III, TRANSFORMERS) e o compositor Michael Giacchino, e com eles decidiu retornar às aventuras do Capitão Kirk e da tripulação da nave estelar Enterprise – as que são mais conhecidas pelos não-trekkers. Mas para não ficar preso aos eventos já mostrados na série e nos filmes, a solução foi reimaginar o universo de JORNADA NAS ESTRELAS, através de um reboot no estilo do que foi feito recentemente nas franquias BATMAN e 007. O detalhe é que o reboot de Abrams possui um pé firmemente plantado no passado.

O roteiro de Orci e Kurtzman lança mão de um recurso batido na série, as viagens no tempo (mais especificamente uma volta ao passado). Contudo dessa vez, e sem maior complicação para os “leigosâ€, ele cria uma linha de tempo alternativa onde serão desenroladas as novas aventuras da Enterprise. Usando este recurso a dupla garantiu a permanência dos eventos da cronologia original, ao mesmo tempo em que abriu espaço para que a partir de agora as viagens da Enterprise, mais uma vez, sejam novas e imprevisíveis. E isso começa já neste filme, onde muitos fatos estabelecidos no cânone tradicional de JORNADA NAS ESTRELAS vão (literalmente) para o espaço. Se isto lhe parece um sacrilégio, pelo menos tenha um grande consolo – neste novo universo, o Capitão Kirk certamente não terá aquela morte ridícula vista em GENERATIONS.

Dando vida a (em sua maioria) velhos personagens com outros rostos, o elenco mescla atores jovens e veteranos com variados níveis de experiência, e talvez os mais conhecidos do público brasileiro sejam Zachary Quinto/Spock (o Sylar de HEROES), Karl Urban/McCoy (o Éomer de O SENHOR DOS ANÉIS, para mim simplesmente perfeito no papel) e Eric Bana/Nero (MUNIQUE). Porém além deles também Chris Pine/Kirk, Zoe Saldana/Uhura, Simon Pegg/Scotty, Anton Yelchin/Chekov e John Cho/Sulu, dentro do que exigia o roteiro, defenderam com dignidade seus papéis. O destaque talvez seja mesmo Chris Pine, que teve a espinhosa missão de assumir o papel eternizado por William Shatner.

Mas não esqueçamos Bruce Greenwood como o primeiro Capitão da Enterprise, Christopher Pike, das pequenas mas relevantes participações de Winona Ryder e Ben Cross como os pais de Spock, e de Jennifer Morrisson (a Cameron de HOUSE) como a mãe de Kirk. E por último mas não menos importante: Leonard Nimoy, como o próprio Sr. Spock da SÉRIE CLÃSSICA, tem função vital na trama. Pena que um dos elementos mais fracos da história seja exatamente o vilão Nero, desenvolvido de uma forma que não permitiu a Bana dar maior dimensão ao personagem.

É claro que o longa não é perfeito, o roteiro possui lacunas e adota algumas soluções apressadas e simplistas para tocar a história mais rapidamente – está aí um filme que certamente será beneficiado no futuro por uma versão do diretor ou estendida. Além disso, haverá quem não goste dos “coletores bussard†azuis da Enterprise, ou sua engenharia “analógica†que parece uma fábrica de cerveja (e é mesmo, já que Abrams usou como cenário uma velha planta da Budweiser)… Porém, acima da excelência técnica das batalhas espaciais (que nem são tantas assim), é um filme que honra o legado da criação de Gene Roddenberry, mantendo as bases do que sempre foi a essência da SÉRIE CLÃSSICA – o relacionamento entre seus personagens, notadamente Kirk, Spock e McCoy.

No final o saldo é positivo, e quando vemos a Enterprise partir tendo ao fundo a narração de Nimoy e o tema original de Alexander Courage (muito bem empregado por Giacchino), fica aberto o caminho para que JORNADA NAS ESTRELAS ou agora apenas STAR TREK tenha, mais uma vez, uma Vida Longa e Próspera. Inclusive aqui no Brasil, apesar da péssima divulgação feita pela Paramount quando do lançamento do filme nos cinemas.