Por Wally Soares
| Data: 16/11/2009
“Jean Charles†é um filme importante. Mesmo que, em seus curtos noventa minutos, não eleve a importância de sua história à patamares mais catalisadores em termos polÃticos, é uma obra que ressoa pela simplicidade com a qual é conduzida e pela sinceridade oportuna de um texto que evita a qualquer custo o sensacionalismo e o burocrático. Na sÃntese mais correta, portanto, é um filme que pode frustrar pelos espaços que deixa em branco e uma ou outra oportunidade perdida, mas que é claramente engrandecido pela afeição a que lhe é atribuÃdo por uma equipe talentosa e bem intencionada. O resultado é uma pelÃcula cheia de nuances inesperadas, cuja fluidez marca pela plausibilidade.
Todo mundo conhece, mesmo que de forma superficial, a história de Jean Charles. Mais um entre tantos imigrantes que tentam a vida fora do Brasil, Jean Charles de Menezes (Selton Mello) foi um jovem de Minas Gerais que partiu para a Inglaterra em busca de seus sonhos. Eletricista, ele se acomodou no belo paÃs e logo se tornou fluente. Não demorou até que ele começasse a ajudar seus primos a tentar a sorte no paÃs europeu. O filme inicia-se com a chegada de sua prima, Vivian (Vanessa Giácomo). Sentindo-se uma estranha no ninho, ela recebe consolo e apoio de Jean, enquanto este começa a entrar em conflitos no trabalho e na ajuda que dá à dois de seus colegas. Problemas que se tornam obsoletos no dia em que, ao pisar no metrô, é brutalmente baleado pela polÃcia britânica. Ocorrido pouco depois dos atentados em meios de transporte que chacoalharam o paÃs, Jean foi confundido com um terrorista e levado à morte por um número de coincidências estúpidas.
Ao contrário do que poderÃamos esperar, porém, “Jean Charles†não é um filme exclusivo sobre quem foi este homem e sobre sua morte trágica. O terno roteiro escrito por Marcelo Starobinas e pelo diretor Henrique Goldman nos permite ir além da dissecação de um fato. Composto com imensa verossimilhança, o filme alça vôo por narrar uma história que possui a força de se tornar uma generalização. Assim, “Jean Charles†se torna um filme bastante poderoso sobre o que é ser imigrante. Captura, com sua câmera semi-documental e certa mistura acertada de atores e não-atores, um cenário cruelmente real. É uma pelÃcula sobre a procura pela felicidade e o encontro da desilusão. Uma obra sobre pessoas que, em sua busca por uma vida idealizada, se confrontam com um mundo quase alienÃgena. Mas o que faz com que a generalização da história fundamente a virtuosidade é a particularidade que é imposta aos seus personagens. Assim, o eco de uma geração inteira reverbera em meio á nuances bem compostas e personagens verdadeiros.
Por outro lado (e, frequentemente, cada acerto de “Jean Charles†vem acompanhado de uma ressalva), Goldman mantém uma distância não desejada com sua câmera. O roteiro é forte ao trazer a torna autenticidade e sentimentos reais, mas o longa-metragem carece de uma direção que aplique crueza ao cenário desolador. Alguns momentos pedem sutileza e, neste caso, Goldman impressiona. Como na simples e bela cena que traz a personagem de Vivian encantada pela ponte emblemática de Londres. O momento age como metáfora, e a sutileza de sua composição é um deleite. Mas outras cenas pedem crueza e uma emoção certamente mais tórrida. E quando isto acontece, Goldman parece inibido diante do estilo documental que imprime (que por sua vez, garante consequentes virtudes).
Como já havia mencionado, o filme faz uma junção interessante entre atores e não-atores, algo provavelmente remanescente do cinema documental do cineasta. O elenco todo é um primor, acertando em tons e caracterizações. Os destaques ficam por conta do sensacional Selton Mello (em performance digna) e pela inesperada Vanessa Giácomo, que representa sensibilidade. Interessante também é a atuação de Luis Miranda, que evolui ao passo que as emoções se tornam mais intransigentes. O resto do casting não decepciona, e é difÃcil enxergarmos uma diferença entre os reais e não reais. O mesmo é perceptÃvel no roteiro, cuja trama se desenrola, na maior parte das vezes, desgrudadas dos eventos reais, tocando em situações ficcionais. Se por um lado eleva a magnitude dramática da pelÃcula, também corre o risco de condensar a força da história original.
“Jean Charles†inicia-se bastante descomprometido, em meio à humor solto e expressões de leveza. A forma como ele termina é interessante. O clÃmax, que chega pouco depois da primeira hora inicial com o trágico evento, é filmado como um catarse. Um choque de dois mundos cercados por intolerância, medo e paranóia. E a cena comove, em sua concepção original e em nada ofensiva. O que se segue é o retrato da dor e da incompreensão. Uma angústia transparente que arde nas ruas da Inglaterra sem a consciência de seu povo. Tudo é bem conduzido. Até tal momento chegar, Goldman nos traz em imagens de arquivo os eventos que tomavam conta ao redor da vida de Jean. Os ataques terroristas, a paranóia da cidade e as acusações infundadas. “Jean Charles†é sobre um homem pego no meio de tudo isso. E a reação de um paÃs covarde em sua intolerância descarada. Em meio a tal cruel pessimismo e clima ofegante em seu lamento, a obra termina otimista. Uma escolha que, da mesma forma que pode martirizar o filme, levando-o à banalização, pode evocar certos sentimentos contundentes necessários.