Crítica sobre o filme "Falsários, Os":

Wally Soares
Falsários, Os Por Wally Soares
| Data: 18/11/2009
Se existe um tema que já foi abordado no cinema de forma exaustiva, é o enraizado nas ocorrências da Segunda Guerra Mundial. Seja este o nazismo, o holocausto ou mesmo os atos de guerra. Nenhuma obra até o momento chegou à força intensamente provocativa e bela demonstrada em “A Lista de Schindlerâ€, de Steven Spielberg. Mas aí já é questão para outro dia. O interessante ao observar a evolução histórica da cinematografia é assistir à como os filmes que tratam sobre este tema vem se tornando mais maduros e liberais em suas visões. Nestes últimos dois anos, o cinema recebeu uma avalanche de histórias que trouxeram o tema como pano de fundo. Em obras como “O Leitorâ€, “O Menino do Pijama Listrado†e “O Homem Bomâ€, o cinema trouxe uma visão que apela para a humanização dos alemães. Da mesma forma, surgem filmes inteiramente focadas no povo judeu, como “Um Ato de Liberdade†e o ficcional “Bastardos Inglóriosâ€. “Os Falsários†surge como um exemplo de frescor atribuído ao tema, ao narrar história pouco conhecida e imensamente importante, cujos fatores foram, ao menos indiretamente, decisivos no rumo da Segunda Guerra Mundial. Como a maioria dos filmes que abordam o tema, “Os Falsários†caiu na graça dos votantes da Academia, e venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2008.

O filme narra a história de Salomon “Sally†Sorowitsch (Karl Markovics), um judeu que era popularmente conhecido pela sua genialidade em falsificar documentos e dinheiro. Não demora até que este seja preso e jogado em um campo de concentração. Lá, começa a chamar atenção pelas suas habilidades e logo é transferido para outros campos. Com seu talento, Sally é procurado pelo mesmo homem que o prendeu para iniciar um projeto que seria futuramente conhecido como Operação Bernhard. No esquema, Sally foi colocado, ao lado de outros judeus, em uma ala mais confortável, contanto que este falsificasse tudo que lhe fosse ordenado. Aos poucos, Sally começa a produzir dinheiro em massa para os alemães e, no caminho, atiça a moralidade de um companheiro.

Desde a imagem tranquila de Sally admirando o oceano, que abre a metragem, o filme soa excessivamente corrido. Ao entrar na vida luxuosa de dinheiro, bandidagem e mulheres do personagem, o roteiro perde uma boa oportunidade de criar um personagem mais denso. Mas Stefan Ruzowitzky, que dirige e escreve, parece mais interessado em acelerar a narrativa até a chegada de Sally no campo de concentração, por onde a trama engrena. Por sua vez, é válido mencionar uma sensacional transição no tempo utilizada por Stefan logo na primeira sequência. Na primeira meia hora da metragem, é difícil se acomodar. O visual, como também a edição, é muito rebuscado, enquanto tudo se processa sem fluidez, quase com pressa. É impossível conter a frustração. A partir do momento que Stefan se vê no controle de trama e personagens, porém, a obra assume uma paleta forte e poderosa, que instiga ao mesmo passo que provoca.

A grande proeza do filme é focar a questão da moralidade, que toma conta da metragem assim que o personagem excepcional de Adolf Burger entra em cena. O filme, alias, tem seu roteiro baseado em livro auto-biográfico escrito por Burger. Isso automaticamente faz com que o personagem ganhe uma densidade palpável, mesmo que o protagonista seja Sally, que por sua vez é interminavelmente desinteressante (fator que é amenizado graças à ótima atuação de Markovics). Este contraponto parece enfraquecer a obra de início, mas aos poucos os personagens começam a evoluir de forma drástica. No caminho, Stefan cria algumas cenas que deixam para trás o tom rebuscado abraçado ao início para criar tomadas virtuosas e vibrantes em cinematografia. O tratamento se torna nervoso e vívido, assumindo um tom que fortalece o envolvimento e eleva as implicações morais da história, que ecoam fortemente.

O retrato dos judeus é interessante. Ao fundo, o filme nunca deixa de registrar, no geral, o sofrimento. Mesmo que em detalhes, o tratamento horroroso é sempre denunciado. Mas a obra não se limita à estereótipos, e cria, especialmente com Burger, personagens que possuem uma desenvoltura mais incisiva. A oposição com os alemães é igualmente cheia de virtudes. A caricatura é pintada com o nazista rancoroso e arrogante, que emite suas pauladas à mesma freqüência que frases repreensíveis (“Ele era um judeu, mas morreu como um homem.â€). Mas com o personagem de Herzog, que chefia a Operação, podemos conferir uma personificação mais multidimensional. Momento excelente, alias, traz Sally à casa de Herzog, onde sua família vive vida sem receios e completamente ignorante diante do que sua Alemanha vem fazendo.

Ao seu fim, a obra é de uma imensa beleza. Com sua bela trilha e um uso simples e poético da narrativa, deixa uma impressão forte na audiência, que quase se esquece das falhas. O filme é especialmente digno em sua discussão moral e em sua importância histórica, mas não tem como entreolhar seus defeitos, como várias oportunizes perdidas em história que poderia ter rendido muito mais que meros noventa e poucos minutos. Mas o que ecoa mesmo no final das contas são as proezas, e o filme realmente traz um conto inestimável tanto em seu fator humano quanto em seu político. Com seus momentos mais intensos (e emocionais) captura o espectador e o faz acreditar que está diante de uma visão sóbria de um evento arrebatador. Mas, com polimentos adequados, “Os Falsários†poderia ter sido uma obra de valor irrepreensível. Por ora, fica como um filme altamente recomendável.