Quando Harry Potter e o Enigma do Príncipetem início, uma trilha melancólica de Nicholas Hooper subverte a melodia tema que sempre costuma abrir a projeção dos filmes da série. A composição triste segue uma cena brilhantemente fotografada que traz Harry e Dumbledore em cena ocorrida ao final do filme antecessor. O clima é sombrio e imensamente melancólico. Na sequência, Dubledore coloca suas mãos nos ombros de Harry de forma protetora. A cena, simples e bela, é a síntese perfeita do restante da obra, que é dirigida magnificamente por David Yates em tons maduros e dramáticos. Desde o início da metragem, sentimos de uma forma quase ofegante que o mundo dos magos deixou de ser aquele que fora há oito anos, quando Harry Potter e a Pedra Filosofal surgiu cheio de aventura e leves ameaças. Os seis filmes da série foram construídos de formas diferentes, quase antagônicos entre si. Esta versatilidade rendeu não só ritmo e durabilidade, mas trouxe refrescância a cada novo capítulo que surgia sobre o mundo criado por J.K. Rowling. Na tendência, os filmes foram se tornando mais e mais sombrios. Mas isto já um clichê. O que ocorre neste novo capítulo é um feito muito mais extraordinário.
Após os ocorridos em Harry Potter e a Ordem da Fênix, o mundo dos bruxos está finalmente ciente por completo do retorno de Lorde Voldemort, ao passo que o mundo dos trouxas (ou humanos) começa a ser ameaçado pela iminência das forças do mal. Harry Potter inicia seu sexto ano na escola de Hogwarts temeroso quanto ao seu futuro - e de seus amigos. Ele e Dumbledore começam a investigar memórias antigas que se tornam importantes para decifrar a fraqueza de Voldemort. Enquanto isso, o lorde das trevas continua a constituir seu exército, preparando o jovem Draco Malfoy para tarefa importante. Em meio á tudo isso, os jovens estudantes de Hogwarts começam a experimentar as agruras do amor e Harry acha um livro perigosamente revelador.
Em se tratando de blockbusters, é muito provável que os produtores tenham tanta autoria sobre certo projeto quanto os diretores. A tensão quanto ao potencial comercial é sempre empecilho na hora de criar uma obra autoral. Mas quando se fala sobre a franquia de Harry Potter, é quase como se o sucesso já fosse inevitável, e em Enigma do Príncipenós sentimos como se, pela primeira vez definitiva, tanto diretor quanto roteirista obtiveram uma liberdade fantástica ao compor o filme. Por isso, a linguagem cinematográfica almejada neste sexto filme é impressionante e verdadeiramente impactante. Assinando o roteiro, Steve Kloves deixou muita coisa do livro de fora e focou, quase que exclusivamente, o drama dos personagens. Enquanto isso, Yates investiu na estética do projeto com uma dedicação incrível, e não só em termos de efeitos especiais, que por sua vez estão extraordinários. Direção de arte majestosa, montagem subjetiva e fotografia soberba fundem-se para trazer a tona fortes nuances e mergulhar o mundo em um tom artístico fenomenal. Com isso, a série se desprende de vez de Hollywood, se transformando em uma obra de cinematografia dotada da mais pura beleza.
As tomadas deEnigma do Príncipesão profundamente significativas, e denotam sentimentos fortes a cada quadro. A ação é minimizada à um grau quase que obsoleto para que o foco nos personagens seja realçado. O resultado é um drama denso e comovente, que atinge momentos de puro pique emocional. Ás vezes, as tomadas falam por si só, como certo momento que traz os corredores de Hogwarts, outrora repletos de vivacidade, inundados em sombras que realçam estudantes em relacionamentos amorosos. Em contraponto, existe sempre uma leveza cômica no ar cercando seus personagens principais e suas aventuras amorosas. Com a ajuda da trilha sempre ideal de Hooper, a obra oscila momentos pesados com outros simplesmente descomprometidos. E o equilíbrio está sempre presente. Nunca se sente como se o humor estivesse sendo forçado ou o sombrio muito exacerbado. Mas é preciso admitir, de forma bastante clara, queEnigma do Príncipe transforma a experiência em uma muito mais madura em sentidos diversos. Não trata-se de um filme para crianças.
O elenco formidável, cuja atração principal são os coadjuvantes britânicos magníficos, não decepciona. O destaque neste caso vai para a entrada bem-vinda de Jim Broadbent, maravilhoso na concepção de seu personagem e protagonista de uma das cenas mais bonitas e singelas da obra. Alan Rickman surge novamente com seu ar sinistro e Helena Bonham Carter com sua bruxaria maléfica. Eles parecem se divertir imensamente. A surpresa fica por conta de Tom Felton, que encarna Draco com uma força dramática intensa. Neste caso, é preciso evocar que o elenco adolescente sofreu devida evolução. Rupert Grint e Emma Watson estão ótimos e Daniel Radcliffe cada vez mais convincente. O triunfo do elenco, porém, vai para Michael Gambon, que interpreta Dumbledore com imensa densidade. Ele é quase um protagonista e lidera os momentos mais emocionalmente arrasadores do filme. De fato, a obra em si é emocionalmente pesada. Ao término, após evento trágico, o roteirista deixa de fora uma batalha que deixaria estático os fãs de ação, em escolha ousada. O que ocorre é mais uma prova da dedicação aos personagens. Com a exclusão da cena, o filme assume um tom de tragédia que marca pela beleza com a qual é composto. O lamento necessário que pode muito bem seguir a audiência para fora da sessão. E isto é novidade em se tratando do universo de Harry Potter. (Wally Soares)