Crítica sobre o filme "Infâmia":

Eron Duarte Fagundes
Infâmia Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 30/11/2009
William Wyler é certamente um dos cineastas americanos mais sutis, embora esta sutileza nunca tenha sido bem compreendida e os perigos de seu rigor clássico de filmar fossem facilmente confundidos com o gesso acadêmico. Infâmia (The children’s hour; 1961) é uma refilmagem de um outro filme de Wyler, These three (1936). Ambas as realizações partem de uma peça de Lillian Hellman que fez furor nos palcos da Broadway nos anos 30 do século passado. O assunto de Hellman tratado por Wyler é o lesbianismo; imagine-se o horror que era este tema na década de 30; no começo dos anos 60, quando se deu a refilmagem, começava a revolução dos costumes, mas a moral utilizada por Hollywood era certamente avessa aos atrevimentos das personagens recriadas na tela com tanto rigor quanto pudor por Wyler; as referências homossexuais são bastante claras, mas tudo é muito mais verbalizado do que encenado.

Sem ocultar as origens teatrais de seu filme, Wyler se vale das exasperadas marcações cênicas dos atores e de extensas explicações dialogadas que inevitavelmente estorvam a fluência fílmica da narrativa. Mas a graça cinematográfica do filme nasce de dois pilares: a elegância clássica e sedutora de Wyler, sobrevivendo galhardamente aos anos, em momento algum lembrando o mofo do tempo; e o dueto interpretativo de duas das maiores atrizes do cinema americano, Audrey Herpburn e Shirley MacLaine, vivendo as duas amigas professoras acusadas de lésbicas numa escola suburbana de meninas no interior dos Estados Unidos. No filme de 1936, as amigas eram interpretadas por Miriam Hopkins e Merle Oberon; na versão de 1961 uma madurona Hopkins vive uma tia aparvalhada com o escândalo das moças. Também se destacam os trabalhos de James Garner na pele do noivo duma das acusadas e Fay Bainter como a severa avó.

Wyler conduz o trecho melodramático final (o suicídio e tudo o mais) com sua sutileza controlada. A música de Alex North talvez seja excessivamente impositiva, mas a fotografia em preto-e-branco de Franz Plaser está repleta de nuanças plásticas que correspondem às intenções do diretor. A reflexão moral de Wyler é crua e só não chega ao perfeito andamento narrativo de seu Tarde demais (1949), extraído do romance A herdeira (1880), do norte-americano Henry James, porque em Infâmia os controles cinematográficos do realizador se dissiparam um pouco. (Eron Fagundes)