Crítica sobre o filme "Bruno":

Wally Soares
Bruno Por Wally Soares
| Data: 10/12/2009
É verdadeiramente fascinante a dedicação de um ator como Sacha Baron Cohen. Criador de personagens tão controversos quanto incisivos, o ator deixou de ser um mero comediante quando ele decidiu usar seu talento de provocação para arranhar as feridas mais ardentes da sociedade. Não conheço o seu primeiro sucesso, Ali G, mas quando ele se juntou à Larry Charles e à um grupo destemido de roteiristas, criou com Borat um dos personagens mais subversivos e extasiantes da comédia moderna. Fazia muito tempo que o cinema parecia ter desistido dos “mockumentaries†(espécie de falso documentários), mas Borat reviveu um espírito digno em arrebatar temas morais e sociais ao colocar um personagem fictício em situações reais. O mesmo é repetido em Brüno que, apesar de bastante inferior à primeira parceria entre Charles e Cohen, traz consigo algumas das mesmas virtudes. Em especial, o hilariante olhar crítico à sociedade e a dedicação incrédula de um ator ao seu personagem.

Em Brüno, não temos mais um repórter caipira do Cazaquistão obcecado em se casar com a Pamela Anderson, mas um jornalista austríaco gay do mundo da moda. Sempre encarando o fracasso em suas desventuras pelo seu país natal, o apresentador de programa parte aos Estados Unidos atrás do sucesso. E, por meio de métodos grosseiros e nada ortodoxos, vai envergonhando o mundo pop e politicamente correto. Ao longo do percurso, é difamado por quase todos com quem entra em contato, promovendo uma vergonha social tão (ou mais) escandalosa e afetada que ele próprio.

A força motriz de Brüno é, mais ainda que em Borat, a ingloriosa performance de Cohen no papel principal. Se é que podemos chamar de um “papelâ€. Cohen encarna o personagem à uma medida extremamente real. A dedicação do ator chegou à extremos tão ilimitados em sua repercussão e desenvoltura que Cohen promoveu a película não como ele, mas como o Brüno, indo à premiações e dando entrevistas como se ele realmente existisse. E realmente nada é melhor para um falso documentário que esta verossimilhança. Assim, testemunhar as sórdidas aventuras de Brüno torna-se algo visceral em seu realismo. O resultado é uma espécie de gritante demonstração de escândalo diante de diversos fatores execráveis hoje na sociedade, seja este a homofobia, o show biz ou a simples ignorância auto-imposta.

Se em comparação à Borat o filme ganha em termos da atuação de Cohen, o mesmo não se pode ser dito sobre o roteiro, que falha ao mesclar o humor escatológico com um senso de apropriação que não extrapole no desgosto. Algo que dificilmente ocorria no texto muito original e inteligente de Borat. O que ocorre em momentos de Brüno é um claro exagero no ultraje e na obscenidade. Certa cena traz as partes íntimas do personagem sendo reveladas de forma grosseira e gratuita à um número de pessoas que, obviamente, ficaram ofendidas com a brincadeira de mal gosto. Se a intenção de Brüno é escandalizar o ridículo e ser uma comédia hilariante em seu tom incisivo, em nada ele alcançou com esta cena, que trata-se de uma verdadeira queda de qualidade. Felizmente, porém, não é sempre que o nível aqui vai abaixo e, na maior parte das vezes, a escatologia é justificável (e engraçada, confesso).

É muito difícil se irritar com Brüno por ele ser, interminavelmente, muito engraçado. Então até nos momentos mais corriqueiros, insípidos e irregulares, algum riso surgirá potente. O que foi realizado aqui é uma provocação do maior grau possível. Se em Borat tínhamos em mãos um personagem ingênuo, ignorante e perdido na cultura americana (o que, por si só, rendeu mais conteúdo genial que neste filme), em Brüno o personagem incorpora um tipo amaldiçoado na cultura conservadora e evitado pela população comum. Ele é escandaloso e sempre muito afetado em sua forma de abordagem, assustando qualquer um. É com essa postura absurda que Brüno arranca sequências simplesmente hilárias. Como a que o coloca em uma consulta com um “especialista†para curá-lo de sua homossexualidade. Uma cena que nos lembra dos melhores momentos de Borat. Genial também quando Brüno testa até onde os adultos estão dispostos a ir para garantir o sucesso de seus filhos, retratando uma total quebra de valores e moralidade. Quando Brüno mira nestas alvos, ele acerta em cheio.

Em seus curtíssimos oitenta minutos, Brüno não possui estrutura cinematográfica e carece de uma narrativa mais coesa e forte. Fatores estes que, de uma forma ou de outra, podem fragilizar o resultado final. Não ajuda também ser uma obra repleta de uma overdose nada saudável de elementos sórdidos, representados por trapaças e armadilhas que podem não satisfazer a necessidade da audiência em testemunhar o criticismo. Para este funcionar, é necessário fundamentar-se de forma inteligente, e em vezes Brüno pode surgir gratuito em suas abordagens vis. Mas para aqueles que não fogem diante do politicamente incorreto, a obra tem muito a oferecer, e não só em termos de entretenimento. Cohen é um mestre na performance corporal e técnica, arrasa no confronto com a moda e extrai gargalhadas em seu desafio nos ringues que leva o público a polvorosa, na melhor cena do filme. Irresistível também é o desfecho, que coloca Brüno cantando ao lado de ícones da música em um hino politicamente correto que surge como uma ironia especialmente agradável. (Wally Soares)