Crtica sobre o filme "Freud, Além da Alma":

Eron Duarte Fagundes
Freud, Além da Alma Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 14/12/2009
Talvez Freud, além da alma (Freud; 1962) traga em suas entranhas um hibridismo cultural e estético um tanto quanto disforme e problemático; e talvez isto explique sua natureza estranha que ao mesmo tempo em que o estorva também permite este monstruoso fascínio do sombrio que o cineasta norte-americano John Huston foi buscar na personalidade negra do psicanalista austríaco Sigmund Freud via os sistemas mentais do filósofo francês Jean-Paul Sartre.

Sabe-se que Sartre, contratado por Huston, escreveu dois roteiros sobre a vida de Freud; instalado na casa de Huston na Irlanda, Sartre deitou seu voluptuoso verbo de pensador francês. Depois Huston ignorou os excessivos roteiros de Sartre e fez o seu, mas é palpável que as preocupações intelectuais de Sartre influenciaram o roteiro de Huston, geralmente mais um diretor da aventura física no cinema, embora, em seu testamento cinematográfico, Os vivos e os mortos (1987), baseado no escritor irlandês James Joyce, Huston tenha feito um filme à parte, mais “intelectual” que “braçal” (lembremos os “braços” empurrando os remos do barco em Uma aventura na África, 1952).

Mas o próprio Huston sempre advertiu: ele não é um “autor cinematográfico” no mesmo sentido em que o são o sueco Ingmar Bergman e o italiano Federico Fellini. Daí por que o espectador vai amiúde surpreender na filmografia de Huston “desvios incoerentes” de rumo. Freud, além da alma é um dos desvios mais esquisitos, mas certamente não deixa de conter, dentro de seu barroquismo mental, a extensão da objetividade cinematográfica de Huston presente em todos os seus filmes, desde Relíquia macabra (1941).

Huston abre sua narrativa com uma dissertação que pode parecer pomposa, mas é o caminho (sartreano) que ele encontra para, naquele momento, anos 60, estudos freudianos em alta, erigir a “estátua cinematográfica” de seu objeto, Freud, sua vida e seus achados. O texto-over refere três grandes marcos do pensamento humano: com Copérnico se deu o fim do geocentrismo (encilhados vieram os excessos cósmicos); com Darwin caiu por terra o antropocentrismo (degenerando-se então no cientificismo); e com Freud o cerebrocentrismo teria perdido a razão de ser (o inconsciente freudiano foi depurado ao extremo na arte pós-moderna). A vida pessoal e profissional de Freud foi tumultuosa e é acompanhada com agudo interesse pela câmara de Huston; as incompreensões das gerações contemporâneas de Freud, que o tacharam de louco, são bem marcadas pela narrativa. No fim do filme, referindo uma sabedoria grega que alude à necessidade de o homem conhecer a si mesmo como princípio de tudo, é uma advertência: enquanto tivermos medo de penetrarmos dentro de nós mesmos, o conhecimento vai ser sempre meio quimérico e falso.

Montgomery Clift, um dos emblemas da Hollywood dos anos 40 e 50, tem, na pele de Freud, um desempenho de maturidade notável. E Susannah York como uma paciente histérica de Freud está extraordinária.

Ligando constantemente os elementos da vida de Freud às suas descobertas científicas, Freud, além da alma deve satisfazer os hustonianos e os freudianos. (Eron Fagundes)