Crtica sobre o filme "Tá Rindo do Quê?":

Wally Soares
Tá Rindo do Quê? Por Wally Soares
| Data: 05/01/2010
Originalmente denominado “gente engraçada” em seu título original, Tá Rindo do Quê? é a nova comédia de Judd Apatow, dono de O Virgem de 40 Anos e Ligeiramente Grávidos. Com um título nacional estranhamente adequado, Tá Rindo do Quê? funciona exatamente como uma provocação, ao mesclar humor e drama numa medida tão imprevisível que poderá lhe fazer questionar exatamente do quê você está rindo. Verdadeiramente ambicioso na forma arriscada com a qual decide retratar seus personagens, o longa-metragem utiliza do humor apenas como um pretexto para dialogar sobre assuntos mais densos. Apatow se aventura em um território muito mais perigoso e, em retrospecto, nem sempre acerta. O brilho de Tá Rindo do Quê? é, porém, inegável. É uma visão sincera e madura sobre o ser humano e seus relacionamentos sempre conflituosos. Visa fazer rir ao mesmo tempo que incita a emoção, em tentativas corriqueiras e irregulares que conquistam pela honestidade quase brutal.

A história gira em torno de George Simmons (Adam Sandler), um ator cômico muito bem sucedido que vive em sua mansão um estilo de vida luxuoso, ainda que recluso. Tudo muda quanto ele recebe o diagnóstico de que possui uma doença terminal inoperável. Despido de qualquer vestígio de humor, George torna-se melancólico. Durante uma apresentação de stand-up comedy, conhece o comediante Ira Wright (Seth Rogen), a quem logo contrata para escrever textos e piadas. Aos poucos, porém, Ira começa a se tornar algo muito mais importante para George, ao passo que este começa a remoer seu passado, lembrando de Laura (Leslie Mann), o grande amor de sua vida que deixou escapar.

Ao som da deliciosa “Great Day” de Paul McCartney, Tá Rindo do Quê? inicia-se melancólico e ao mesmo tempo otimista, um sentimento que se carrega para o resto da metragem. Ao passo que George descobre sobre sua doença terminal e começa a dar uma guinada na sua vida, o roteiro esperto de Apatow é consciente ao não se deixar levar pelos clichês que tal proposta poderia ter se transformado. Estritamente sentimental e observador, a película é muito oportuna na forma como deixa seus personagens acessíveis e sempre realçados por meio de nuances muito sinceras. Assim, é fácil obtermos uma ligação com estas pessoas e, com isso, compreendermos seus desafetos por uma vida agridoce.

O maior triunfo do filme é, porém, sua grande falha. É o filme mais maduro e complexo de Apatow graças ao nível inesperado de emoção depositado. Isso ocorre porque Apatow não deixou sentimentos pessoais de lado. Em outras palavras, Tá Rindo do Quê? é uma película demasiadamente pessoal. Assim tudo se torna muito mais honesto e comovente. Por outro lado, faz com que Apatow deixe de ter resistências e cautela. O resultado é um roteiro com inúmeras passagens desnecessárias e uma narrativa que anseia por um retoque mais digno. A história do longa-metragem é sobre o mundo de Apatow - de gente engraçada - e possui uma relevância formidável ao construir este mundo com sinceridade. Tanta sinceridade, à meu ver, que certas piadas soam estritamente “internas”, não conseguindo funcionar com um público mais diferenciado. Neste quesito, o humor é bem remanescente do clima mais escatológico proposto em O Virgem de 40 Anos. Ainda assim, resgata a bravura emocional de Ligeiramente Grávidos, resultando em um equilíbrio conquistador.

Apesar de alguns grandes momento cômicos, Tá Rindo do Quê? não é uma comédia tão boa quanto é um drama introspectivo. Diversas vezes usa o humor (e da agradável ironia) para dialogar assuntos mais pesados, mas alça vôo mesmo quando podemos nos encantar com a complexidade dos personagens. Adam Sandler surge primordial neste aspecto. Nunca me imaginei nesta posição, mas é impossível não reconhecer a bela atuação de Sandler, numa vulnerável e terna performance. De certa forma, o filme é tão pessoal para Apatow quanto é para ele. Aqui, ele retrata a si mesmo, só que em uma realidade alternativa. Evoca, com imensa sobriedade, como uma pessoa pode se perder em si mesmo. Ao seu lado, Rogen se torna cada vez mais maduro em uma atuação que foge da banalidade cômica, adequando-se à proposta do roteiro ao tornar-se bastante sentimental. O brilho coadjuvante é todo de Leslie Mann, uma atriz arrasadora que - como os outros já mencionados - isola aquela sua intensidade cômica para abrir espaço pro drama. Mas se os três protagonistas partem para uma direção mais melancólica, o resto do elenco continua firme na comédia. Eric Bana com certeza é o destaque como um australiano (com direito a sotaque) hilariante.

Fotografado por Janusz Kaminski de uma forma deslumbrante, a película é um colírio para os olhos da mesma forma que uma sinfonia para os ouvidos. A trilha sonora incidental une-se à seleção de canções maravilhosas para tornar a experiência lírica e gratificante. Ao fim, torna-se muito difícil resistir à obra, cujas implicações humanas e observações cínicas sobre a vida resultam em um testemunho quase doloroso, ainda que totalmente otimista. E são a partir destas nuances que surge o poder de Tá Rindo do Quê? , uma “dramédia” multifacetada que encanta apesar de sua irregularidade. Em retrospecto, não são as piadas deslocadas e as sequências desequilibradas que permanecem contigo, mas o eco humano de uma forte história sobre as relações humanas e os prazeres simples da vida. Fato este que se resume na linda cena que traz a jovem atriz Maude Apatow (filha do cineasta) cantando “Memory” de Cats. Não só um simples prazer, mas uma evidência concreta do quão o longa-metragem torna-se pessoal diante de detalhes que fazem toda a diferença. (Wally Soares)