Quando a dupla Neveldine & Taylor estreou nos cinemas há quatro anos, com o perverso e altamente divertido Adrenalina, já revelavam um claro apego à linguagem do vídeo-game. E Adrenalina deu certo porque não diluíram o exercício cinematográfico para brincar com tais peripécias, espertamente moldando uma narrativa que utilizava de referências e piadas. Tal tática também deu certo (com suas ressalvas) na sequência recente da obra. Em Gamer, os cineastas assumem de vez o fetiche pelo vídeo-game, em um conto futurístico que coloca a humanidade em um cenário desolador pavimentado por jogos que abdicam do virtual para controlar o ser humano no mundo real. A idéia poderia ter resultado em uma obra das mais interessantes, mas estaciona na vertigem visual, sucumbe à armadilhas narrativas e abraça de uma forma vergonhosa a linguagem fria que os cineasta tanto almejaram evitar em seus filmes anteriores. Gamer se torna então um vídeo-game, abdicando-se da cinematografia.
No futuro próximo narrado por Gamer, um gênio criou dois jogos polêmicos denominados Sociedade e Assassinos. No primeiro, o ser humano ganhou o poder de controle sobre outros humanos em um jogo que simula a vida mediante seus desejos. No segundo, todos os presidiários no corredor da morte foram recrutados para serem comandados por outros humanos em um jogo de guerra violento e fatal. Conforme o presidiário sobrevive no jogo, este ganha liberdade. É quando entra em cena Kable (Gerard Butler) que já se tornou uma estrela mundial graças à quantidade de fases que já ultrapassou com seu simulador, Simon (Logan Lerman), um jovem rico. Kable pretende ser libertado pelo crime que não cometeu e busca reunir sua família, que fragmentou-se.
A proposta de Gamer poderia ter facilmente se transformado em uma ficção-científica das mais subversivas, dialogando sobre o controle em uma sociedade perversa por natureza. O foco dos cineastas, porém, é outro. Neveldine e Taylor parecem mais interessados em fazer um longa de ação do que de realizar uma crítica social. E disso somos convencidos logo de início, ao sermos inseridos em um campo de batalha por uma câmera nervosa e uma edição que irrita pelo excesso de cortes. Claro que, quando analisamos a fotografia e a montagem de Gamer percebemos que as intenções dos cineastas eram a de se assemelhar ao visual de um vídeo-game, puro e simples. Até certo ponto, dá certo. Mas os cineastas não possuem alto controle e Gamer se transforma em puro excesso ao passo que a narrativa se torna em um exercício gratuito de ação sem qualquer textura ou relevância.
Em um filme como Gamer, cuja estética é calculista e trama é fria, é preciso calor humano. E o roteiro da dupla falha terrivelmente na composição dos personagens, criando conflitos desinteressantes e emoções superficiais. Ao longo dos pouco mais de 90 minutos de filme, a audiência sentirá uma dificuldade de se conectar com a trama e com os personagens por que sente-se, a todo segundo, que estamos diante de uma película distante e artificial em sua abordagem do ser humano em um mundo perdido diante da tecnologia. Exatamente o que ocorre em Gamer, quando seus personagens padecem mediante um exercício que se deixa levar pelos estímulos violentos e pela execução banal de uma ação desmoralizante.
Mas não é só a violência que predomina em Gamer, que vai até o limite na sua degustação do perverso humano. Assim sendo, a violência atinge uma brutalidade impressionante e a sexualidade, um destaque monocromático que leva a total irrelevância. Como obra de ação o longa-metragem certamente encontrará seu público, já que está dotado de alta violência em um frenesi interminável de tiroteios e sangue jorrando - muito como um vídeo-game. A qualquer pessoa que preze história e, principalmente, qualidade cinematográfica, Gamer se concretizará como um verdadeiro desperdício de tempo, ao incitar temas dos quais nunca chega a abordar apropriadamente. Portanto, finaliza-se como uma verdadeira provocação, já que assume com a audiência uma postura de urgência social ao início. Ao desenrolar da metragem, as fraquezas de Gamer vão surgindo, decepcionando quem esperava por algo a mais que uma banalização da violência.
Desprovido de qualquer consistência, em meio à uma direção vistosa e um roteiro gratuito, até fatores menores ajudam Gamer em seu caminho até a irrelevância. Seja a trilha sonora, os efeitos visuais nada especiais ou mesmo o elenco irregular. Ainda que Gerard Butler, em sua overdose de brutalidade, possa surgir em um casamento perfeito com o personagem, este falha ao denotar qualquer humanidade à caracterização rasa proposta pelo script. Do outro lado, Michael C. Hall - um estupendo ator que se especializou em séries televisivas - se submete à um desempenho altamente vergonhoso de uma figura que, ainda que vez ou outra inspirada, sucumbe à fragilidade do texto facilmente. Ainda há espaço de sobra para talentos como Kyra Sedgwick e Alison Lohman se desperdiçarem, enquanto figuras como o brutamonte Terry Chews insistem que sabem atuar. Ao final da sessão, até os momentos mais interessantes de Gamer se anulam, em filme que é uma grande enganação.