Por Wally Soares
| Data: 28/01/2010
A existência deste Acima de Qualquer Suspeita, lançado diretamente em DVD no Brasil, é de certa forma levemente interessante pois, ao pegar emprestado o argumento do clássico de 1956 chamado SuplÃcio de uma Alma, poderia registrar uma nova interpretação de idéia que havia sido desperdiçada na falha obra original de Fritz Lang. Mas talvez aà seria exigir muito e certamente esta refilmagem não possui cacife para tanto. Na verdade, ao passo que seu desfecho se concretiza, a única constatação positiva que obtemos é a de que, comparado com este remake, SuplÃcio de uma Alma é quase uma obra-prima. E é uma pena, então, que uma idéia tão intrigante e formidável tenha dado lugar à duas leituras tão decepcionantes. No original, cujo alvo é a pena de morte, um jornalista e um escritor armam um plano que, nas suas implicações, tornaria a punição capital falha e condenaria o uso de evidências de cunho circunstancial. O enredo intrigante dá lugar à uma execução pobre, nada dramática e totalmente frÃvola, com direito à clÃmax surpreendente que traz consigo não só um total enfraquecimento do roteiro, mas um deslocamento moral equivocado.
Ainda assim, o original possuÃa seus atributos e, claro, a força da história não só instiga pelo seu valor sócio-polÃtico, mas satisfazia em um nÃvel razoável. Infelizmente, não posso dizer o mesmo desta releitura do clássico, que é uma total tragédia cinematográfica. No enredo, várias mudanças. O protagonista é C.J. Nicholas (Jesse Metcalfe), um repórter de matérias fracassadas que trabalha em emissora mal das pernas. Desestimulado, ele se concentra na sua investigação particular do promotor público Mark Hunter (Michael Douglas), em cujos casos aparenta forjar certas evidência para condenar o suspeito. Sedento por uma história sensacional e ansiando pelo sepultamento de Mark, C.J. resolve, com a ajuda de seu colega de trabalho, se incriminar por um crime não cometeu. Espertamente documentando tudo, ele planeja ir à julgamento e expor as falhas do sistema.
Tudo muito intrigante, mas o roteiro estúpido de Hyams e sua direção televisiva fazem com que Acima de Qualquer Suspeita se torne um thriller policial dos mais medÃocres. Inicia-se de forma intrigante, aos sermos provocados pela imagem de uma mulher de olhos vendados a ponto de nos remeter à algo cruel, quando na realidade trata-se de algo inofensivo, como nos é revelado assim que o plano se abre. Tal provocação não se mantém e trata-se, talvez, do único momento realmente interessante do projeto. Alias, até o longa-metragem atingir a faixa dos 40 minutos e a trama policial engrenar, somos incansavelmente atormentados por uma estrutura enfadonha repleta de clichês asquerosos e um senso de humor insÃpido. Torna-se difÃcil, portanto, conectar-se com os personagens de qualquer maneira. E a trama soa fria, calculada e terrivelmente leve na forma como é abordada.
Talvez o pior seja, porém, observar que o roteirista perdeu o fio da meada na sua adaptação. O que tornava o original relevante era sua tentativa de desmoralizar o conceito de pena de morte - algo que permanece atual até hoje. Tema este que foi desenvolvido de forma impactante - ainda que não totalmente consistente - belo bom A Vida de David Gale. Aquele filme apresentava um argumento parecido, mas sua integridade moral permanecia intacta, ao passo que a de Acima de Qualquer Suspeita perde-se a partir do momento que o desfecho revela sua revira-volta. Gratuita e incoerente tendo em vista a história até então desenvolvida, surge com o único intuito de surpreender o espectador. Não traz, portanto, qualquer consistência ao filme e de forma alguma oferece algum debate moral ou mesmo psicológico acerca dos personagens, que são tão rasos e unidimensionais que assustam.
E é uma pena que o longa-metragem se revele tão incongruente, já que a história em mãos poderia ter rendido uma bela pelÃcula. Potencial desperdiçado em meio á diálogos dos mais vergonhosos e sequências que beiram o ridÃculo (a do estacionamento vem em mente). Em sÃntese, é um filme tão mal acabado e concebido com tamanha frivolidade que se torna um feito difÃcil imaginar o que exatamente Peter Hyams desejava alcançar. Não é só pobre na estruturação de roteiro e na falta de sutileza com a qual coordena as emoções em jogo. O que acaba incomodando acima de tudo é como a edição é uma verdadeira bagunça. Cheia de cortes feios e não oferecendo qualquer ritmo à obra, é apenas a assinatura do atestado de óbito. A partir do momento que começamos a olhar frequentemente para o relógio e nos damos conta de que não nos importamos por qualquer um dos personagens, percebe-se que Acima de Qualquer Suspeita é daquele tipo de filme intragável.
Portanto, não se dê ao trabalho de procurar algum elemento notável durante a sessão. Ao lado do original, traz consigo forte história e resquÃcios de um filme bom, mas é muito mal direcionado para atingir qualquer feito no mÃnimo plausÃvel. Como se não bastassem aqueles problemas já citados de direção, roteiro e edição, é também um filme que permanece um tanto entorpecido graças à falta de desenvoltura de seus atores. Amber Tamblyn até tenta bastante, mas sua personagem não convence. Jesse Metcalfe, por sua vez, é de completa inexpressividade e dilui o que já estava raso. Chocante (ou talvez nem tanto) é encarar o outrora tão nobre Michael Douglas reciclando a si mesmo em papel extremamente tolo. O lamento aqui, então, é para todos os envolvidos. Acima de Qualquer Suspeita pode ter tido lançamento direto em DVD no Brasil, mas estreou nas salas estadunidenses. Seu destino, na verdade, é o de ser "comemorado" como programa televisivo barato. (Wally Soares)