Crítica sobre o filme "Órfã, A":

Wally Soares
Órfã, A Por Wally Soares
| Data: 07/02/2010

O argumento que rege A Órfã não é exatamente novidade. Desde A Profecia, clássico dos anos 70 de Richard Donner refilmado há pouco tempo, o tema de criança diabólica tornou-se regular e serviu de inspiração para exemplares que oscilaram em qualidade. Seja com o discutível O Anjo Malvado - que inexplicavelmente virou clássico de sessão da tarde apesar de seu tema inapropriado - ou o recente (e admirável) Joshua: O Filho do Mal, é um conceito perigoso que, caso não tratado apropriadamente, pode incitar implicações polêmicas. Mas este A Órfã, ainda que longe de ser uma película ótima, traz consigo um diferencial que não só eleva o argumento já banal, mas oferece à estrutura típica do gênero um sabor a mais - o suficiente para tornar a obra memorável. Assim, a surpresa que surge ao clímax do longa-metragem satisfaz e adiciona ao teor psicológico que o filme abraça desde seu início. Em uma época que os filmes de terror tendem a ficar mais e mais gráficos, encontrar um filme como A Órfã é recompensador. Ainda que possua seus momentos de fraqueza, torna-se um filme claramente hábil na construção de personagens e situações verossímeis.

O servo do mal neste longa-metragem é Esther (Isabelle Fuhrman), uma garotinha adorável que usa vestido e laços, pinta como profissional e - como o título já entrega - é órfã. Dotes estes que chamam a atenção de Kate (Vera Farmiga) e John (Peter Sarsgaard) que, após a perda de um filho (que morreu ainda dentro do ventre de Kate), tentam voltar aos eixos à procura de um filho para suprir a dor. Não conseguindo engravidar, eles decidem adotar. É aí que Esther entra em cena, em meio à uma família um tanto disfuncional: Kate é perturbada pelo seu passado sombrio e é uma ex-alcólatra em tratamento, John já teve relações extra-conjugais e, dos dois filhos do casal, uma é surda-muda. Garota prodígio e cheia de malícia, Esther aos poucos começa a agir de forma suspeita, abrindo a ferida da família caindo aos pedaços com o intuito de possuir algo que, claro, só descobriremos ao fim.

Dirigido por Jaume Collet-Serra, que traz no currículo os fraquíssimos (e distinstos) A Casa de Cera e Gol II: Vivendo o Sonho, A Órfã é um filme que possui imperfeições tanto no frágil roteiro quanto na inconsistente direção. O filme inicia-se instigante por meio de um sonho dos mais perturbadores - mas já começa denotando que originalidade não será o seu forte. Algo que vamos constatando ao longo do caminho por meio de sustos fáceis e um uso tolo do diretor de trilha-sonora e movimentos de câmera. Por outro lado, Collet-Serra constrói a tensão de forma fantástica e, quando nos damos conta, já estamos totalmente instigados a ponto de subjugar certos elementos outrora considerados imprescindíveis. Assim, erros se tornam obsoletos para se dar lugar ao entretenimento fervoroso que toma conta da obra. E o filme realmente funciona. É tenso, diabólico, gráfico, raramente sutil (o que, de forma estranha, acaba trabalhando a seu favor) e satisfatório em níveis plenos de diversão.

O roteiro, escrito pelo estreante David Johnson, dá sinais de amadorismo, mas acaba por convencer justamente pelo olhar observador que decide empregar aos personagens. Algo que transforma A Órfã em um suspense psicológico interessante. O desenvolvimento, por sua vez, encontra suas derrapadas. Seja em diálogos bobos ou em momentos clichês, nem tudo funciona como esperaríamos. É notável, porém, o quanto o filme almeja fugir do tom forçado que normalmente toma conta de fitas que cercam este tema. Assim sendo, é fácil para o diretor trabalhar o senso de inquietação que vai tomando conta da película - que nos mantém atentos por toda a duração. Alias, é válido notar que a obra torna-se tão agitada e angustiante que fica difícil evitar roer as unhas ou soar frio. Isto tudo ocorre, vale dizer, por criarmos uma empatia fortíssima pela personagem de Kate, a principal vítima da trama.

Dito isso, é mais que válido observar que Vera Farmiga arrasa no papel. Levando em conta que ela teve papel parecido em Joshua: O Filho do Mal, é curioso afirmar que ela realiza algo totalmente novo aqui. Profundamente angustiada pelos erros cometidos no passado e, ao longo do metragem, totalmente assombrada pelas suspeitas que surgem em torno da cruel Esther, Farmiga faz com que Kate se torna uma personagem multidimensional, certamente elevando o roteiro do longa-metragem a um patamar mais interessante. Ao lado do sempre ótimo Sarsgaard, criam ótima dinâmica e realce emocional. A surpresa, no final das contas, fica a cargo de Isabelle Fuhrman, que encarna Esther com total intensidade. A desenvoltura da atriz é essencial para a eficiência da personagem e ela nunca falha ao nos enviar os mais diversos calafrios ao longo da projeção. O elenco, em outras palavras, nutre ao filme uma especial relevância. Então mesmo diante de diálogos ou sequências triviais, acabamos por ser convencidos pelos fatos que tomam conta da película.

Entre outros fatores, vale a pena discutir um que tem recebido peculiar repercussão dentre certos meios de comunicação. A Órfã tem se tornado vítima de um boicote generalizado. O motivo: o filme seria um ataque à adoção. Inclusive certo diálogo do filme foi retirado pela Warner no trailer que passou nos cinemas. É triste constatar que o povo não sabe aceitar o entretenimento pelo que ele é. Ao passo que A Órfã de forma alguma oferece repreensão à adoção, inclusive adotando um espírito psicológico crível. Deixando tal controvérsia tola de lado, eis aqui um filme recheado de falhas - o desfecho em especial surge fraco. Mas, em meio à excessos de direção e elementos óbvios de roteiro, existe uma coleção de virtudes que fazem valer a pena assistir o filme. Elementos estes que transformam A Órfã em um tipo de filme que, ainda que seja constatado sua fragilidade como Cinema, não deixa de se revelar um admirável exercício em suspense e, consequentemente, em entretenimento.