Na bela canção da banda Noah and the Whale chamada “Blue Skies, a letra já avisa logo de início que se trata de uma música para todos que já tiveram seu coração despedaçado. Para aqueles que não conseguem se levantar da cama de manhã. De uma forma um tanto amarga, a canção é a irmã de alma deste (500) Dias Com Ela, sensacional longa-metragem de estreia de Marc Webb cuja narração nos avisa logo na abertura que o que virá a seguir não será uma história de amor - mas uma história sobre o amor. Da mesma forma como a canção de “Noah and the Whale” lida com a dificuldade de se esquecer um grande amor, este (500) Dias Com Ela enfrenta - sem floreios ou rodeios - o quanto o amor pode sangrar. Como Amantes, de James Gray, olha de frente para o amor e o encara da forma mais pura. Singelo - ao contrário do pesado e complexo Amantes - adota a comédia deliciosa para canalizar a personalidade rica de seu protagonista. O que simplesmente torna o filme muito mais belo e afetivo no seu alcance com uma audiência que poderá facilmente se identificar com ele.
Narrado por Tom Hansen (Joseph Gordon-Levitt), a película percorre os 500 dias que nosso herói passou com a mulher por quem se apaixonou de forma tão intensa. Transitando por entre estes 500 dias de forma fragmentada e sem ordem cronológica, aos poucos Tom vai tentando encontrar uma solução para o fim trágico de seu amor. Como ele já deixa avisado logo no início, Summer (Zooey Deschanel) não se apaixonou por ele. Ao recordar do tempo em que passaram juntos, procura enxergar onde foi que errou ou evidências concretas de que ela nunca de fato o amou. Um exercício em tortura, ele - e a audiência - descobrirá que, na verdade, o amor é extremamente cruel. O que não evita, porém, que os 500 dias surjam totalmente envoltos em tragédia. O amor é também muito belo, afinal de contas.
O acerto de (500) Dias Com Ela já começa pela abordagem do roteiro, refrescante e sempre original. E é aterrorizante constatar que os mesmos roteiristas por trás deste ótimo script são donos também do pavoroso roteiro de A Pantera Cor de Rosa 2. Irregularidades a parte, a história do filme já surge muito pessoal logo de início, quando se vê uma dedicatória nada sutil. Momento também que traz a tona o senso de humor cruel que tomará conta da obra. Tom narra seu relacionamento com Summer como se estivesse realmente se recordando das fases daquele amor tão complicado. E é um primor testemunharmos a forma como o roteiro almeja driblar clichês e estereótipos na composição de emoções sinceras e sempre muito palpáveis. Em grande parte graças aos diálogos genuínos, ao dinamismo da narrativa e ao pungente senso de apego que é delineado com a figura trágica de Tom Hansen. E isso serve não só para quem enxergar em Tom um espelho. (500) Dias Com Ela é poderoso para os desiludidos no amor, mas igualmente majestosa para quem adora Cinema.
Marc Webb dirige com tamanha elegância e criatividade, construindo ao lado dos virtuosos atributos técnicos uma metragem tão agradável quanto caprichosa. Acima de tudo, a obra é prazerosa de se acompanhar. Mesmo quando a história passa por momentos de lamento e amarga realidade, Webb pinta um retrato tão sincero e emocionalmente fascinante que é praticamente impossível não cair de amores pela película. Cena que surge como a síntese mais bruta de tais virtudes é a que divide a tela em duas situações quando o personagem visita a personagem em momento importante. De um lado, a expectativa de Tom Hansen - ou o que ele deseja que ocorra - e do outro, a realidade cruel. Ao som da belíssima canção “Hero” de Regina Spektor, pinta o auge da amargura insólita deste nosso trágico herói. Ao mesmo tempo em que emocionalmente ressoante, a cena representa também um especial apuro técnica. A fotografia belíssima unida à montagem essencial - que basicamente surge como a base fundamental para o quebra cabeças que é o longa-metragem.
A música, por sua vez, possui um papel fundamental na trama. Não só é o ponto de partida para a paixão de Tom (se vê enlaçado por Summer ao vê-la declarar amor por The Smiths), torna-se um dos fatores mais imprescindíveis para a estrutura narrativa da película - muitas vezes surgindo como complemento ao roteiro em si. A própria utilização de “Hero” já traz consigo uma significância maravilhosa. O que dizer então da contagiante sequência ao som de “You Make My Dreams” que coloca o personagem principal em meio a número musical? Quem já se apaixonou entende o sentimento. Ainda temos ótimas sacadas com músicas do próprio The Smiths e até com a clássica “She’s Like the Wind”. Neste aspecto, (500) Dias Com Ela possui uma veia pop saltitante - e não se desculpa por ela. É todo esse clima puro e raro de melancolia, diversão e tragédia que constrói o espírito conquistador da obra.
Tudo teria ido por água abaixo, porém, se Tom Hansen não fosse genuinamente construído - e isso é garantido não só pelo roteiro consistente, mas pela atuação formidável de Joseph Gordon-Levitt. Excepcional jovem ator que se revelou em dramas pesados e angustiantes, Levitt compõe Tom com charme, leveza e ocasionais momentos de pura melancolia. Afinal de contas, (500) Dias Com Ela é absurdamente melancólico. No seu discurso sobre amor, na sua visão de felicidade e na sua abordagem do destino. Neste aspecto, pelo menos, a obra também decide percorrer o caminho da canção “Blue Skies”, prenunciando um futuro belo de céus azuis otimistas - ainda que o caminho até lá seja difícil. O desfecho da obra então se distancia da amargura e do pessimismo que tanto ronda o resto da metragem. Mas não se enganem, realiza isso de forma imprevisível. A rima com que se finaliza alias, é uma delícia. (Wally Soares)