Crtica sobre o filme "Faces da Verdade":

Wally Soares
Faces da Verdade Por Wally Soares
| Data: 09/03/2010
O que Rod Lurie roteirizou em Faces da Verdade não é exatamente íntegro. Afinal, como já nos é avisado logo de início, o filme apenas se inspira em fatos reais - não possuindo muita veracidade com fatores concretos. Assim sendo, Lurie leva o drama a outros níveis, em um exagero constante, mas, no final das contas, necessário. Lurie pega a história real e insere a ela um espírito jornalístico ávido, buscando ainda uma congruência narrativa exemplificada pelos diálogos sempre muito afiados. Ainda assim, é estranho abordar um filme como este com a consciência de que se baseou em uma história real e descobrir depois que não passa de dramatizações. Esta é apenas uma visão que se pode obter do longa-metragem. A outra lida com a ótica jornalística, oferecendo palavras sábias sobre o cenário atual deste mundo ameaçado que ilumina a verdade em tempos de cinismo. E tem, claro, o fator humano. Não teria funcionado se não trouxesse consigo uma autenticidade emocional.

O longa-metragem inicia-se com uma tentativa de assassinato ao presidente, a partir daí se infiltrando no mundo jornalístico de Rachel Armstrong (Kate Beckinsale). Muito ambiciosa, descobriu um furo que coloca em cheque o próprio governo estadunidense. Aprendemos, então, que após a tentativa de assassinato foi declarada guerra à Venezuela, com base em suposições governamentais. Rachel descobre, porém, que uma agente da CIA desmentiu a acusação feita à Venezuela, mas que sua informação foi ignorada pelo presidente, abrindo caminho para que os ataques fossem realizados. Quando a matéria é publicada, ela logo se vê presa e em julgamento por não abdicar de seu direito de cidadã, não revelando o nome de sua fonte. Rachel então se vê encurralada em um jogo político de conspirações que aos poucos começa a sufocá-la de maneiras diversas.

Faces da Verdade possui muito fôlego e é editado com especial senso de ritmo. Trata-se de um tipo de filme onde os diálogos surgem como socos e tiros, representando a verdadeira ação de uma história que instiga gradativamente. É, acima de tudo, uma película atual. Sua tese de um mundo jornalístico a mercê de uma realidade política é tragicamente cruel pela sua percepção inteligente de como a sociedade funciona. Lurie realiza um filme que não só é admirável de um ponto de vista cinematográfico, mas fascinante na abordagem do fato. Faces da Verdade pode “ficcionalizar” uma história real, mas toca em feridas completamente reais e urgentes. Virtude esta que é sintetizada pelo discurso magnífico do personagem de Alan Alda, entregue diante da Suprema Corte e que realiza não só uma homenagem àquele verdadeiro jornalismo - saturado na sociedade atual - mas ao valor da verdade.

Que Lurie entrega um roteiro consistente não é surpresa. Afinal, é dono também do ótimo A Conspiração, mas Faces da Verdade representa seu auge como diretor. Valorizando muito as atuações, Lurie constrói uma metragem carregada sob inúmeros planos longos. Um em especial, durante um assassinato, soa especialmente brilhante. Também não pesa a mão, o que seria esperado levando em conta o material. Nunca descamba para o melodrama ou se envolve em técnicas maniqueístas. Importamo-nos pela personagem principal porque ela é bem construída, não porque somos forçados a nos envolver pela sua jornada. Neste caso, a atuação de Kate Beckinsale também ajuda. Uma surpresa agradável levando em conta a filmografia fraca da atriz até então. Ela está segura no papel, revelando um lado de si que nunca imaginaríamos encontrar, lembrando bem o que Jennifer Garner havia realizado em Juno. Os temas mais íntimos que rodeiam a personagem, seja este seu papel como mãe ou seu relacionamento fragilizado, são delineados de forma madura - e a aproximação com a personagem é completamente inevitável.

Não é apenas Kate Beckinsale que brilha em Faces da Verdade. Aliás, diversamente a vemos sendo ofuscada pelos seus coadjuvantes de luxo. Como o já citado Alan Alda, que possui a sequência mais bem escrita do filme. Alda normalmente faz papéis deste estilo, mas quase sempre como vilão. Aqui ele surge do lado da personagem principal, e realmente não está menos genial. Interessante mesmo é a performance de Matt Dillon. Apesar de surgir como uma espécie de vilão, Dillon não é o aborda desta forma, admitindo uma complexidade ao personagem bastante inesperada. Quem comanda o espetáculo, porém, é Vera Farmiga. Já surgindo como uma das atrizes mais fantásticas desta geração, Farmiga teve um ano farto - com direito a indicação ao Oscar® por Amor Sem Escalas - e merece toda a glória. Uma atriz soberba ao transmitir angústia e sentimento, arrasa em todas as suas cenas aqui.

Maravilhoso para qualquer um inserido no meio jornalístico e competente para quem quer simplesmente assistir a um bom filme, Faces da Verdade poderia ter sido um mero exercício convencional de gênero, mas Lurie manuseia sua câmera com a devida fluidez, criando uma atmosfera de tensão e emoção palpável. Importante pelas feridas que expõe, a película se revela uma recomendação segura, ainda que apresente - ao longo de sua duração - um ou outro tropeço. Talvez a maior dificuldade de aceitar o filme resida na sua natureza dúbia de exercício da verdade. Apesar de surgir com belo discurso sobre o valor desta, não deixa de manipular os próprios fatos que tem em mãos. Um detalhe que, dependendo da audiência, pode se tornar significativo ou irrelevante. De qualquer forma, Faces da Verdade é um filme de percepção e virtude, fazendo jus à trajetória de sua personagem (verídica ou não). (Wally Soares)