Crítica sobre o filme "Grande Desafio, O":

Wally Soares
Grande Desafio, O Por Wally Soares
| Data: 26/03/2010
É impossível não rotular O Grande Desafio, segundo filme dirigido por Denzel Washington (o primeiro foi Voltando a Viver), especialmente porque é um filme que praticamente clama por uma estereotipação. Representa um tipo, independente de qualidade. Como o projeto anterior de Washington, é inspirado em uma história real. Em contraponto, não aposta na sutileza como em Voltando a Viver, explorando conflitos dramáticos com uma potência um tanto explosiva. As intenções do filme são claras: é um longa-metragem que ambiciona ser um filme inspirador, recheado de momentos espirituosos e carga emocional intimidante. E, de fato, corresponde às tais ânsias. O Grande Desafio, quando lançou nos Estados Unidos há mais de dois anos, chegou a ser indicado ao Globo de Ouro na categoria de melhor filme. É um filme bem feito, sem sombra de dúvida. É também terrivelmente redondo e acadêmico. A obra certamente cativará pela sua congruência emocional, mas pode incomodar por seus momentos incontestáveis de pieguice e manipulação.

A película se baseia na história verídica do professor Melvin B. Tolson (Denzel Washington) e de seus estudantes na época que frequentavam a faculdade Wiley College Texas, no ano de 1935. Tolson formou na escola uma equipe de debate que, inteligente e inspirada, se viu vencendo todas as faculdades negras da região. Mas, em uma época de forte preconceito racial - cujos estigmas surgiam em carne viva com demonstrações asquerosas de ódio - eles dificilmente obtinham a chance de enfrentar debates com escolas elitizadas. A obra segue então os esforços do grupo de negros em um momento da história americana onde eles se tornaram párias, lutando para serem reconhecidos como seres humanos.

Como qualquer outro filme sob o tema de conflito racial, as sequências mais poderosas da obra giram em torno de manifestações de intolerância. Seja na cena irritante onde um dos personagens negros é humilhado após atropelar um porco, ou no momento tenebroso que os personagens se deparam com um corpo sendo pendurado em uma árvore. São os picos dramáticos de um filme que quer mesmo sensibilizar. E todas estas cenas soam honestas o suficiente para funcionarem como Cinema. O verdadeiro furor do filme, porém, surge com as manifestações de debate, que vibram ao dignificar o valor da palavra. O filme acerta em cheio quando os debates tomam conta da metragem, incitando temas importantes com a veemência com a qual merecem ser tratados. Muito maior que os fatos e temas que surge contemplando, porém, O Grande Desafio é belo mesmo quando ilumina o poder do debate, trazendo a tona os momentos mais inteligentes da metragem.

O roteiro, escrito por Robert Eisele e Jeffrey Poro tendo como base um artigo publicado no American Legacy, nem sempre faz escolhas inteligentes, porém. As cenas que antecedem o grande clímax, por exemplo, são extremamente maniqueístas e escritas de forma bastante superficial. A condução de Washington, diversamente repleta de toques conquistadores (chegando ao auge em um plano-sequência particular muito bom), reveste o script sobre um tom agradável e virtuoso. Tecnicamente, O Grande Desafio é íntegro. Tanto que atinge o grau já mencionado de academicismo. Aquele filme em que muitas cenas parecem muito redondas, quase frígidas - o que por sua vez leva à monotonia. Um perigo para um filme de pouco ritmo e duração longa.

Apesar de tamanhas inconsistências, O Grande Desafio se sobressai no que importa e chega a ser o filme forte que ansiava, agradando o povão com seu espírito de obra inspiradora e com toda certeza unindo-se ao seleto time de filmes que serão utilizados por anos a fio em salas de aula ao redor do mundo. Só por isso, Washington já pode dormir satisfeito. Ainda que não seja um longa-metragem tão dramaticamente infalível como seu antecessor, surge como mais um acerto na curta carreira de cineasta. Vale notar que o diretor, conduzindo a si próprio, também se sai bem à frente das câmeras. Com momentos de exagero, mas com outros de nuances perfeitas. O que por sua vez não pode ser dito pelo resto do elenco, um tanto irregulares na abordagem de seus respectivos personagens (raras exceções).

Forte drama sobre superação e com aquela narrativa que segue a fórmula a risco, eis uma obra que não é atropelada por seus defeitos e reúne um número considerável de virtudes, se tornando um filme que deixa de ser apenas um feel good movie para se transformar em uma reflexão interessante sobre debates e palavras - e o quão longe o ser humano pode ir quando se valoriza tais fatores. (Wally Soares)