Por Wally Soares
| Data: 07/04/2010
Histórias reais são relativamente fáceis de serem transpostas para a tela. É difÃcil achar um longa-metragem baseado em fatos reais que não tenha agrado o dito “povãoâ€. As pessoas se sensibilizam fácil, as histórias falam por si só e os roteiristas/diretores nem precisam se esforçar muito para cativar a maior parcela do público e fazer sucesso. O que por sua vez não evita que a maioria destes filmes abusem do maniqueÃsmo. Apesar de ser uma história verÃdica e se basear no livro de Steve Lopez (retratado por Robert Downey Jr.), O Solista não cai nas armadilhas comuns e exprime um alto teor de segurança da parte de Joe Wright, cineasta primoroso que realizou a obra-prima Desejo e Reparação. Wright novamente faz bom Cinema, mas infelizmente se vê um pouco perdido na hora de tratar o conto real. Ao fugir excessivamente de momentos mais emocionais, Wright se torna mais calculista do que deveria. O Solista acaba não transcendendo, esquivando vez ou outra para a monotonia ao invés de tocar nas cordas do coração. Irregularidades que evitam que o filme se torne obrigatório, mas não necessariamente dispensável. É uma boa pelÃcula que merece ser conferida.
Somos introduzidos logo de inÃcio a Steve Lopez, jornalista um tanto desequilibrado que se mete em algumas roubadas e se esforça para manter sua coluna no jornal mais interessante, procurando desesperadamente temas que satisfaçam sua editora. Certo dia esbarra em Nathaniel Ayers (Jamie Foxx), um morador de rua maltrapilho que, além de doente mental, possui o dom da música. Nathiel ama tocar seus instrumentos danificados para as ruas sujas e barulhentas de Los Angeles. Quando Steve descobre que Nathaniel foi aluno da prestigiada escola de arte Julliard, se interessa no sujeito e escreve um artigo sobre ele. A história chama atenção e, enquanto o público vai se interessando por Nathaniel, Steve vai criando laços com ele também. As intenções que eram apenas profissionais logo se tornam emocionais e Steve logo se vê envolvido na existência traumática do músico, cujos demônios o inibe de ter uma vida dignificada. Enquanto tenta ajudá-lo, Steve descobre a imunda realidade de pobreza e caos que cerca sua cidade.
Logo de cara identificamos que estamos em um filme de um cineasta do calibre de Joe Wright: tomadas longas e belas, enquadramentos bonitos, estética virtuosa, trilha bela e por aà vai. Wright é um auteur e sua marca é visÃvel. É por causa dele que inúmeras cenas de O Solista funcionam tão bem. Seja um diálogo Ãntimo entre Steve e Nathaniel debaixo de uma ponte ou a maravilhosa tomada que captura a rua imunda dos sem-teto com uma poesia fantástica e amarga. O roteiro escrito por Sussanah Grant peca por manter conflitos a uma visão muito exterior e superficial, o que evita que O Solista cresça da forma como poderia. Sua conexão com a audiência é frÃvola.
O destaque inicial do script é Steve Lopez e, com a ajuda do fantástico Downey Jr., é composto admiravelmente. Antes dos dez minutos já sentimos que conhecemos este homem muito bem. Quando Nathaniel entra em cena o foco muda e não delonga até que os flashbacks comecem e a história do músico problemático seja narrada. Pontos para Grant ao evitar clichês e Wright por consolidar a edição de forma tão perspicaz. Mas por mais que denota-se esforço da dupla, os conflitos do filme permanecem rasos pela maior parte do tempo. O trabalho de Lopez como jornalista é tratado de forma um tanto trivial, não dando peso ao poder do material que compôs, e sua relação com a editora é especialmente mal construÃda. Quando o foco é Nathaniel, porém, o filme vinga. A deficiência mental do personagem é sim romantizada demais, mas Wright não evita os momentos obscuros e enigmáticos (como um sutil de sua infância). O mais importante é compreendermos os demônios que habitam a mente de Nathaniel, e isso é transposto com dignidade pelo cineasta.
Não é surpresa o desempenho excelente de Downey Jr., mas a atuação de Jamie Foxx foi um deleite inesperado tendo em vista os filmes anteriores do ator. Talvez muito acomodado por causa de sua estatueta dourada, Foxx perdeu o brilho e enfrentou a mais pura canastrice. Aqui ele volta a ser um grande ator. Seu desempenho é despido de exageros e falsos trejeitos, soando especialmente sincero. A dupla de atores tornam O Solista um filme de alcance maior, criando um núcleo emocional preciso. Preciso, mas não precioso. Wright, talvez temendo ser muito sentimental, acabou limitando o longa-metragem a um formato a qual não lhe fez bem. Quando o clÃmax supostamente poderoso chega, sentimos o quão sem fôlego O Solista está.
Na realidade, quem deveria ficar ofegante é o espectador, mas a emoção se limita aos personagens na pelÃcula, não transcendendo a ótica meticulosa de Wright, um diretor que realizou aqui o que criticaram erroneamente em seu filme anterior. Mas não seria certo reconhecer O Solista, um prazeroso e digno filme, apenas pelas suas deficiências. (Wally Soares)