Crítica sobre o filme "Viagem do Capitão Tornado, A":

Eron Duarte Fagundes
Viagem do Capitão Tornado, A Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 09/04/2010
Ettore Scola teve um determinado momento em sua filmografia em que sua acuidade de filmar já se anunciava em estado de derrapagem. Este instante de confluência das águas cinematográficas de Scola é expresso pelo filme A viagem do capitão Tornado (Il viaggio de capitan Fracassa; 1990), uma bela e divertida versão do romance de Théophile Guatier (1811-1872; o “poeta impecável†definido por Charles Beaudelaire na dedicatória de seu livro As flores do mal, 1857) que fora nos anos 20 adaptado numa produção francesa dirigida pelo brasileiro Alberto Cavalcanti. Talvez seja este o último filme de linguagem moderna e descontraída de Scola, que depois rodaria obras mais engessadas e duras como os curiosos Mario, Maria, Mario (1993) e O jantar (1998) e os insípidos Romance de um jovem pobre (1994) e Concorrência desleal (2001).

A viagem do capitão Tornado segue um estilo de realização, sutil e brilhante, que rendeu ao cineasta uma de suas principais obras, Casanova e a revolução (1982); idêntico sistema de reconstituição de época, os tratamentos de personagens (a dialética homem versus mulher) assemelhados, chistes acurados nos diálogos e uma rodagem de roteiro de estrada com um agrupamento de pessoas constante a que se poderia chamar “filme de caravana†(e que remonta ao remotíssimo No tempo das diligências, 1939, do americano John Ford).

Se em Casanova e a revolução Scola acompanhava a comitiva real francesa e a nobreza europeia pelo interior da França em fuga do centro dos acontecimentos de transformações sociais, em viagem do capitão Tornado o que está em cena é a viagem dum grupo de saltimbancos pelo interior de França rumo ao centro dos acontecimentos, Paris. As relações do artista (vagabundo e marginal) com os nobres e com o povo permitem a Scola exercitar sua veia crítica e humorística. A melancolia destas relações é bem exposta por Scola.

Mas o filme padece de uma arrevesada e incômoda lentidão final que nasce das características literárias do cinema de Scola, onde a profundidade duma história encenada à luz duma visão marxista é sempre realçada. Estas características, que ele soube transfigurar em obras –primas como Um dia muito especial (1977) e o já citado Casanova e a revolução, se entibiam um pouco em A viagem do capitão Tornado. E também aqui Scola parece apegar-se demais a algumas influências: é como se o italiano Federico Fellini decidisse refilmar Noites de circo (1953), do sueco Ingmar Bergman, para reproduzir uma história de Théophile Gautier. (Eron Fagundes)