Crítica sobre o filme "Amor Sem Escalas":

Wally Soares
Amor Sem Escalas Por Wally Soares
| Data: 22/05/2010

O timing de Amor Sem Escalas, do sempre interessante Jason Reitman, é excelente. Lembra o feito de Quem Quer Ser um Milionário? , há um ano, quando este chegou cheio de pompa, adrenalina e esperança em uma época que os Estados Unidos saía do buraco e, sob o cacife de Obama, tomava rumos que dariam lugar para um final feliz. Pois Amor Sem Escalas traz consigo um roteiro extremamente atual que analisa de forma incisiva as consequências pós-crise econômica. Devastada, a nação americana surge retratada de forma melancólica, mas focando exclusivamente as vítimas da crise, deixando de lado qualquer tema político. Alias, o longa-metragem é derradeiramente humano de início ao fim. Instiga logo de início ao nos introduzir à reação de vários personagens (alguns vividos por não-atores que foram de fato demitidos durante a recessão) ao serem dispensados friamente da empresa na qual deram suas vidas. Termina, por sua vez, com uma nota tão amarga quanto a de seu começo. Amor Sem Escalas trata seus personagens com honestidade e em momento algum busca refúgio em elementos de artifício banal. Sua sinceridade cruel torna-se sua principal virtude.

Mas a recessão é apenas o pano de fundo para o retrato de relações humanas proposto ao longo da metragem. O protagonista é Ryan Bingham (George Clooney), um workaholic que, quando não está voando, vive em aeroportos e hotéis. Ryan trabalha para uma empresa de cunho desagradável que oferece à outras empresas um serviço especial de demissão. Com isso, o trabalho de Ryan consiste em cruzar o estado demitindo funcionários de empresas das mais variadas. Ele adora seu trabalho, não se sente bem em casa com a família e usufrui deste modo de vida como um refúgio das relações humanas cotidianas. Seu dia a dia é ameaçado por Natalie Keener (Anna Kendrick), uma jovem ambiciosa que chega na empresa de Ryan com espécie de revolução: as demissões seriam por meio de conferências online ao vivo. Enquanto isso, conhece a bela Alex Goran (Vera Farmiga), que apresenta-se com a mesma agenda que ele, descomprometida e segura de si mesma.

Baseado em romance de Walter Kirn (dono também do livro que deu origem ao excelente Impulsividade), o roteiro escrito por Jason Reitman e Sheldon Turner é dos mais sensíveis, realçado pela introspecção aguçada e pela inteligência de abordar temas que poderiam ter facilmente permanecidos estagnados no lugar comum. Mas todo diálogo soa singular e os personagens são ricos de uma forma que torna-se difícil defini-los. Como o ser humano em si, as pessoas aqui são complexas e construídas com a devida singularidade a que lhes são permitidos por caracterização distintas. Em outras palavras, é um script que não conhece amarras e, principalmente, nunca generaliza. Ele possui consciência de tal complexidade e, por meio da inteligência e da afeição, faz jus a ela de forma com que a audiência aprenda a se ver nestes personagens de uma forma fascinante. O elo é fator imprescindível, então, ao fazer com que o filme funcione em um nível emocional. E Reitman e Sheldon, com fluidez e muito bom humor, instigam o espectador com naturalidade.

Tamanha eficiência do roteiro, a audiência responde aos estímulos emocionais da película. Sentimos angustiados diante das cenas de demissão e, quando Ryan surpreende-se com o momento mais devastador do filme, também sentimos um aperto no coração. É claro que, sem a direção madura e diversamente genial de Reitman, o roteiro não teria ido tão longe a nos afetar com tamanha emoção. Desde os créditos iniciais dinâmicos, Reitman - ao lado da editora Dana E. Glauberman e do diretor de fotografia Eric Steelberg - preenchem Amor Sem Escalas com um estilo deliciosamente repleto de simbolismos, pequenas nuances e especial charme. Como resistir, por exemplo, ao enquadramento que traz as malas de Ryan e Alex em completa união, lado a lado no aeroporto? Ou mesmo à excelente sequência ao início que nos introduz ao espírito metódico de Ryan em se preparar para o vôo? São fatores dos mais oportunos e virtuosos que transformam Amor Sem Escalas na obra sóbria que é.

O que faz com que a humanidade da obra realmente entre sob a sua pele, porém, é o forte elenco. George Clooney vem amadurecendo maravilhosamente como ator e, ao contrário do que ocorre com muitos, após seu Oscar só vem criando papéis mais e mais marcantes. O seu Ryan Bingham é perfeito. Clooney traz grande sentimento ao papel sem cair em clichês ou convenção. Sua sinceridade realmente vem a tona e nos afeiçoamos por Bingham, um personagem que, se interpretado da forma errada, teria sido inacessível. No mesmo nível está a ávida Vera Farmiga, que une charme, beleza e talento voraz para fazer de Alex uma personagem das mais interessantes. Aprendemos a nos apaixonar por ela da mesma forma que com Anna Kendrick, que interpreta Natalie com todas as notas certas. Mesmo ao lado de grandes nomes, não se deixa ser intimidada e revela um talento natural. Tal maestria se estende ao elenco de apoio, que abraça seus personagens com a devida desenvoltura.

A trilha sonora, inundada de canções melancólicas e bonitas, exprime o espírito que Amor Sem Escalas pretende alcançar. É deliciosamente divertido quando precisa ser, possui senso de humor estupendo e, no entanto, é totalmente capaz de nos fazer chorar. Denso ao ver no ser humano singularidade e emoções poderosas e, ao seu fim, especialmente corajoso. Imune à maniqueísmos e convenções, o desfecho traz um monólogo arrebatar que, na sua beleza, esmiúça o sentimento comum sobre a procura pela felicidade. É muito difícil fazer qualquer resumo do espírito da obra sem ser pedante e unidimensional, então torna-se um tanto válido apenas dizer que Amor Sem Escalas é sobre a vida como ela é, sem floreios ou rodeios. Nos engana por boa parte do tempo que seguirá por uma estrada previsível mas, como a vida, nos surpreende por eventos profundamente amargos. É aí que ta o poder da película, em nunca ser condescendente para com a audiência. Sincero, bonito e totalmente original, é o primeiro grande filme do ano.