Crítica sobre o filme "Vidas Cruzadas: A Vida Ãntima de Pippa Lee":

Wally Soares
Vidas Cruzadas: A Vida Ãntima de Pippa Lee Por Wally Soares
| Data: 22/05/2010
Co-autora do ótimo roteiro de A Prova e diretora/roteirista do bom O Mundo de Jack e Rose, Rebecca Miller conseguiu em seu mais novo filme o que todo cineasta sonha: reunir um elenco extenso fantástico. Apesar de já ter trabalhado com talentos excepcionais como Daniel Day-Lewis e Catherine Keener previamente, A Vida Ãntima de Pippa Lee (ou Vidas Cruzadas, como foi batizado no lançamento em DVD) traz consigo nomes que vão desde veteranos consagrados a estrelas jovens renomadas. Adaptando desta vez seu próprio livro (como havia realizado com O Tempo de Cada Um, de 2002), Miller lança novamente um olhar singular para dentro do mundo secreto das mulheres. Desta vez, uma em especial. Seu filme, como o título original já sugere, é sobre as vidas íntimas de uma mulher que viveu mais personagens do que deveria. Ainda que o material seja definitivamente interessante, Miller se perde aqui na condução da obra da mesma forma que Pippa Lee se perdeu na condução de sua vida, passando por altos e baixos em uma experiência conflituosa de virtudes e erros.

Pippa Lee, interpretada por Robin Wright, é uma cinquentona luminosa e inteligente que, casada com um editor de livros trinta anos mais velho, tenta carregar sua rotina com a maior serenidade possível, sempre se preocupando pelo bem estar do marido e dos dois filhos – apesar da filha odiá-la. Quando Herb (Alan Arkin), seu marido, decide mudar da cidade para o interior, ela aos poucos vê sua rotina desmembrar-se, ao passo que reconta seus anos como criança em uma família disfuncional que apenas libertaria um lado selvagem dela atualmente desconhecido pelas pessoas que vangloriam sua reputação brilhante de esposa dedicada e mãe amável.

A Vida Ãntima de Pippa Lee inicia-se especialmente virtuoso. Sem entregar muita coisa de seus personagens, o roteiro encontra uma fluidez significativa, pontuando o desenvolvimento da história com imensa sutileza. Ao passo que a narrativa vai e volta ao passado de Pippa, a edição realiza um hábil trabalho ao imprimir belos raccords que transportam a audiência entre as linhas de tempo de formas notáveis. Tal virtude, porém, aos poucos evapora. Peculiarmente, a narrativa ao desenrolar da metragem começa a ficar mais e mais desconexa, ao passo que a montagem decepciona, criando cenas frias com cortes abruptos. Essa involução substituiu o até então doce pelo terrivelmente amargo, como também desconecta a audiência completamente da história, de forma que esta se torna imune às emoções palpitantes do roteiro ambicioso.

Já um tanto indiferente diante do trabalho inconsistente, a audiência precisa então reconhecer que as imperfeições drásticas de A Vida Ãntima de Pippa Lee não são fortes o suficiente para deturpá-lo de seus acertos – ainda que não contínuos, singulares. Seja uma ótima sequência decupada por fotografias ou mesmo cenas intimistas diante da introspecção infalível da personagem principal. Pippa Lee é, afinal, muito interessante. E mesmo que Miller falhe ao pintar um painel congruente de suas diversas facetas e personalidades, enriquece a personagem o suficiente para que ela possa carregar o filme nas costas, suficientemente suportada pela ótima performance de Robin Wright – que nunca esteve tão confortável em um papel. Wright é repleta de fortes nuances, elevando a já formidável personagem a outro patamar.

Wright cria uma ótima Pippa Lee na vida adulta, mas a jovem Blake Lively (que não amadureceu de sua fraquíssima personagem na série Gossip Girl) quase detona qualquer fascínio que Pippa poderia ter em sua vida adolescente. Lively é o oposto do que seu sobrenome indica, um tanto sem vida e casual demais para a evolução que a personagem sofre na história. Por sorte, é rodeada de talentos como Maria Bello, Julianne Moore e Alan Arkin. Este último está especialmente bem no papel, mas é um tanto enfraquecido pela maquiagem nada realista utilizada para rejuvenescê-lo. A impressão que fica é, na verdade, a contrária. Detalhes como este quase tiram por completo o brilho de cenas com bons diálogos e belo desenvolvimento dramático. Apenas um dos diversos incômodos impossíveis de negligenciar que compõem uma obra que – mediante certo polimento – poderia ter sido obrigatória. Claramente, Miller ainda precisa de um pouco mais de experiência, ainda que esteja no caminho certo e tenha a melhor das intenções.

O poder da película, no fim das contas – e o que permanece com a audiência após o fim da sessão – é a própria Pippa Lee. Wright a transformou em um ser real e ressoante, e o roteiro de Miller almeja criar um trajeto de vida para ela que é tão curioso quanto belo. Então em um filme recheado de participações especiais com atores de renome – Monica Bellucci entra e sai de cena de forma assustadoramente abrupta – o motriz do filme acaba por residir em uma só personagem. Portanto, por mais deplorável que possa ser a atuação de Keanu Reeves e por mais valiosos que sejam os desempenhos de Winona Ryder e Zoe Kazan, o que importa mesmo é Pippa Lee e Robin Wright. A Vida Ãntima de Pippa Lee é o filme que é pelo envolvimento e interesse causado por ambas. O resto apenas complementa (ou, em certos casos, prejudica). (Wally Soares)