Crítica sobre o filme "Mensageiro, O":

Wally Soares
Mensageiro, O Por Wally Soares
| Data: 22/05/2010
O zeitgeist da Guerra do Iraque imprimiu uma marca intensa na cinematografia americana. São inúmeros filmes - distintos em abordagem - que ensaiaram algum discurso sobre a tal guerra (ou mesmo suas consequências). Existem aqueles que rondam os aspectos literais e terrestres desta suposta guerra ao terror e outros - como este O Mensageiro - que tratam sobre algo muito mais subjetivo. Ao compor um retrato sobre a pós-devastação emocional e psicológica sem precisar se tornar maniqueísta ou exagerado, o drama sutil e pessoal de Oren Moverman é uma película que bate nas notas certas e faz arder feridas abandonadas. É um filme sóbrio e por vezes silencioso, inundando em um clima de opressão emocional e realçado por diálogos nítidos na percepção mais crua desta realidade angustiante. É como um lúcido ensaio sobre os efeitos colaterais de uma guerra cujas vítimas são infinitas. Com o poder de personagens inquietantes e performances magníficas, O Mensageiro possui uma força que lhe permite permanecer com o espectador bem após o fim de sua duração.

O mensageiro do título é Will Montgomery (Ben Foster), um herói de guerra que é forçado para fora do campo de batalha por causa de um olho danificado e uma perna incapacitada. Ele é então recrutado para o infame cargo de mensageiro, ao lado do também veterano de guerra Tony Stone (Woody Harrelson). O trabalho da dupla consiste em abordar familiares com a notícia trágica do falecimento de soldados. Um trabalho que os levam a situações de muito incômodo e, diversamente, pura histeria. Enquanto tenta lidar com o trabalho, Will é surpreendido pela amizade com Tony e pelos laços que cria com Olivia Pitterson (Samantha Morton), viúva que é deixada a sós com um filho para cuidar e nenhuma perspectiva.

O realismo de O Mensageiro é essencial para seu êxito. Sua maior virtude é como deixa de soar como uma encenação para se tornar um relato honesto sobre pessoas reais. Diálogos críveis a um grau de sensibilidade conquistador e atuações completamente submersas nas nuances de seus respectivos personagens. Um tipo de trabalho coletivo recompensador de alcance emocional tremendo. Moverman, que dirige o roteiro que co-escreveu, surge com domínio espetacular de sua câmera, permitindo que as emoções insinuadas permeiem por longos minutos em tomadas que se estendem em belos plano-longos. Existem momentos de pura beleza e poesia que acompanham, sem cortes ou excessos, conversas bem íntimas e poderosas - construídas em cima da simplicidade e da emoção sincera.

Ainda que, no plano geral, O Mensageiro possa perder seu fôlego e se deparar com cenas de cunho gratuito, seu discurso ofegante sobre a humanidade recapturada em meio a um oceano de cacos de vidro é destruidor. É nessa carga emocional pesada que o filme torna-se um dos definitivos ensaios pós-guerra, desconstruindo o tão idealizado sonho americano quando este se suja de sangue e volta da guerra. Não é uma visão bonita. É esmagadora. E Moverman não hesita na hora de ser cruel e ríspido. Equilibrando, também não esquece de que tem em mãos seres humanos complexos e emocionais, trilhando uma trajetória para eles que é tão reveladora quanto intrigante.

Assistir o desenrolar desta história torna-se um ato curioso, ao passo que vibramos ao lado de personagens tão provocativos. É como a irreverência do personagem de Tony, incrível na pele de Woody Harrelson, que habilmente acentua não só a aparente rispidez do sujeito, mas uma humanidade que há muito havia sido abandonada pelo personagem, juntamente com seu fuzil. Ben Foster igualmente impressiona, construindo um personagem excelente em meio a olhares significativos e maneirismos sinceros. Ele desconstrói os sentimentos de sua persona de forma fascinante. Especialmente quando ao lado da estonteante Samantha Morton, completamente arrasadora em todas as suas aparições. Uma cena em especial, de imensa força emocional e cinematográfica, acompanhando um diálogo entre eles em meio à cozinha, nos faz ter a certeza absoluta de que estamos diante de um belo trabalho.

O Mensageiro não é um trabalho monumental. Seja na direção ou no roteiro, esquiva desta noção de grandeza não por sua simplicidade maravilhosa, mas pela ocasional hesitação que sentimos em “Movermanâ€, sempre bem intencionado, mas nem sempre corajoso o suficiente para transformar sua obra em uma milenar. Ainda assim, capturando um pedaçinho do céu, O Mensageiro não será solenemente subjugado às obras em vão sobre o maior zeitgeist do século XXI. Pelo contrário, permanecerá como um dos dramas mais incrivelmente sensatos a abordar os estigmas humanos acerca da maior tragédia da década. O que dói a fundo na pele destes personagem ao fim estará ardendo na sua. (Wally Soares)