Crítica sobre o filme "Nine":

Wally Soares
Nine Por Wally Soares
| Data: 26/05/2010

Apesar de ter perdido o Oscar® de melhor diretor em 2003 para Roman Polanski, o cineasta Rob Marshall saiu da cerimônia com o ego lá em cima: seu filme faturou nada menos que 5 estatuetas, incluindo melhor filme. Chicago foi, de fato, um grande e belo musical. Foi também a estreia cinematográfica de Marshall. E seu feito foi admirável. Em seguida, não teve a mesma sorte. O melodramático Memórias de uma Gueixa foi um primor técnico, mas uma bagunça narrativa. O que provavelmente o fez pensar que sua carreira residia nos musicais (Marshall notadamente faz sucesso na Broadway). O que nos traz a Nine, um musical excessivamente teatral que se inspira no clássico 8 ½ de Federico Fellini. O resultado é irregular e nota-se que o ego de Marshall continua um empecilho. Nine atira para todos os lados, acerta em momentos, erra em outros. O seu elenco brilha frente a uma parte técnica decepcionante e as músicas encantam em meio a diálogos aborrecidos. É uma obra de intenções nobres e temas interessantes na ponta da língua para discutir. O discurso, porém, nem sempre convence.

O roteiro, escrito por Michael Tolkin e o falecido Anthony Minghella tendo como base a peça musical homônima da Broadway, possui lampejos de introspecção e ocasional beleza. Mas virtudes que se destacam em cenas isoladas, seja uma conversa íntima ou uma sequência mais sentimental. Nine falha mesmo é em seu conjunto. Sua narrativa é pobre, as sequências musicais não sentem integradas ao formato cinematográfico (com uma ou outra exceção), surgindo com um excesso de planejamento teatral. Não se desprende, portanto, de sua origem. Os números musicais são na verdade fantasias do personagem principal, Guido Contini (Danial Day-Lewis), um cineasta famoso que se encontra a beira do precipício ao encontrar sua vida profissional desarmônica e suas relações pessoais fragmentadas. A película retrata então sua jornada existencialista, reunindo um grande número de mulheres que de uma forma ou de outra fizeram parte de sua vida. Quaisquer que possam ser os paralelos com 8 ½ não poderão ser abordados nesta crítica, sendo o filme ainda inédito para quem vos escreve.

Dito isso, Nine cativa pelos temas que resgata. Se estes estão presentes ou não na obra original não posso afirmar. Guido surge aqui como um homem desnorteado e em total angústia com o mundo exigente que o cerca. Precisa fazer um filme e não tem idéias, se esconde do mundo e nesse meio tempo lida com suas relações amorosas. Apesar do comprometimento de sua mulher, Luisa Contini (Marion Cottilard), Guido possui uma amante, Carla (Penélope Cruz). E são nesses seus fracassos pessoais que o filme cria uma trama interessante e de nuances envolventes, fazendo de Guido um personagem tridimensional – especialmente por causa do desempenho consistente de Day-Lewis, que só não se dá tão bem na hora de cantar. Ainda assim, convence.

Entre equívocos sistemáticos e derrapadas narrativas, o maior triunfo de Nine é – de longe até – a deslumbrante Marion Cottilard. Em total domínio de suas cenas, Cottilard rouba o filme, quebra nossos corações e nos arranca lágrimas sinceras. Sua relação ao lado de Guido é o calor de um filme de arestas congeladas. Quando declama as letras lindíssimas de “My Husband Makes Movies”, não são só os personagens que param para ouvi-la, seu coração pára para senti-la. O poder inconfundível da atriz volta a se concretizar na arrebatadora sequência de “Take It All”, e novamente na sequência em uma sala de cinema ao lado de Guido – em diálogo triste e doloroso. Se não fosse pela emoção pungente de Luisa e a atuação soberba de Marion, Nine teria sido um tipo de filme para se varrer para debaixo do tapete. Mas por mais que erre não está imune de virtudes. E, ao lado de Cottilard, há espaço para Penélope Cruz brilhar – ainda que em menor grau.

Das outras mulheres do filme, que estão longe do título de femme fatale das moças de Chicago, salva-se – pasmem – Stacy Ferguson (ou Fergie como ela é popularmente conhecida). Seu número musical, “Be Italian”, é explosivo, muito bem fotografado e editado. A sequência musical de “Cinema Italiano”, por sua vez, funciona porque a música é divertida, mas as letras são uma bagunça e o que Kate Hudson realiza na coreografia pode ser conhecido como “hairography”. Ou seja, seus cabelos dançam enquanto ela se perde na personagem rasa. Judi Dench está bem, mas seu número musical é extremamente enfadonho. O mesmo pode ser dito pela sequência de Sophia Loren, uma atriz que simplesmente não tem mais vestígios de expressão facial. A linda Nicole Kidman, por outro lado, funciona na personagem e, apesar de desperdiçada, se responsabiliza por um momento incisivo ao enfrentar o personagem de Guido.

Entre músicas que engrandecem e outras que simplesmente envergonham, Nine se torna um filme que indubitavelmente deixa a desejar. Do tipo de obra que queríamos gostar muito mais do que acabamos gostando. Mas sua irregularidade ofegante e tolos momentos pretensiosos não evitam que ele contenha sua parcela de acertos. Não vai ser lembrado daqui a muito tempo, mas por ora é o suficiente. Até porque Cottilard é uma chama que dificilmente será apagada. Luisa Contini será eterna. Nine não. (Wally Soares)