Crítica sobre o filme "Confusões em Família":

Wally Soares
Confusões em Família Por Wally Soares
| Data: 07/06/2010
Confusões em Família poderia ter sido apenas mais uma comédia independente americana, como tantas outras que se rotulam, seguem estereótipos e fingem ser sobre algo muito mais profundo do que realmente são. Não é, portanto, o caso deste filme escrito e dirigido por Raymond De Felitta. Charmoso na abordagem, inspirado nos conflitos e altamente introspectivo no retrato de seus personagens, a película oscila drama e comédia na dose certa e, entre lugares-comuns e surpresas deliciosas, acaba se firmando como um longa-metragem realmente original e, principalmente, honesto no que tem a dizer acerca das dinâmicas familiares cada vez mais desequilibradas e multiculturais da sociedade atual.

A família em questão é a Rizzo, cujo patriarca é Vince (Andy Garcia). Guarda de prisão, Vince não deixa transparecer para a família que seu sonho é ser ator e, portanto, participa de aulas de atuação secretamente. Lá, ele conhece a aspirante a atriz Molly (Emily Mortimer), e recebe como dever do professor um trabalho sobre segredos. E disso sua família entende. Sua esposa, Joyce, é controladora, estressada e logo se vê atraída pelo jovem Tony (Steven Strait), ex-presidiário que Vince leva para sua casa. Com a chegada do verão, a filha mais velha, Vivian (Dominik García-Lorido), é chamada para passar a temporada em casa – e chega com sua parcela de omissões – ao passo que o filho mais novo, Vince Jr. (Ezra Miller), revela uma obsessão sadia por mulheres gordas. Nas trivialidades da rotina, os integrantes da família aos poucos começam a bater de frente um com o outro.

Apesar dos personagens extremamente bem definidos – e isso é um forte atributo – o roteirista ainda arruma espaço para nos surpreender ao longo da metragem. Como se seus personagens já não fossem originais o bastante, minuto a minuto somos sugados para dentro de suas rotinas até que cada um de seus segredos mais sórdidos são revelados. Acompanhar o filme torna-se então um exercício em fascinação. E isso por que De Felitta compreende que, antes de ser uma comédia, seu filme é um estudo de personagem. Portanto, piadas e humor banal são colocados em segundo plano para que as personalidades múltiplas em tela possam aflorar e nos instigar gradativamente. E a intimidade que se é desenvolvida entre audiência e personagens consequentemente leva à intimidade necessária para que possamos nos comover com os momentos mais dramáticos e, por sua vez, rirmos com os mais cômicos.

Em qualquer drama de personagem, o elenco precisa estar a altura do texto. E aqui alguns vão até além. Andy Garcia, excepcional, deixa uma impressão tão boa que nos esquecemos de seus medíocres trabalhos recentes. Apresentando um ótimo timing cômico e afiado no drama, Garcia possui momentos tão engraçados – impossível não destacar a sequência em que imita Marlon Brando em um teste de elenco – quanto comoventes. Julianna Marguiles, consagrada recentemente com a série The Good Wife, não deixa a desejar. Alias, possui um dos momentos de maior carga emocional do filme – e seu impacto é incontestável. Os filhos são bem interpretados por Dominik García-Lorido (filha na vida real de Andy) e Ezra Miller – muito carismático. Até o comumente insosso Steven Strait faz um trabalho decente. Emily Mortimer é quem rouba muitas cenas. E uma em especial, à beira do mar, é arrasadora. Impossível esquecer também de Alan Arkin, em curta e impressiva participação.

Por maior que sejam suas virtudes, Confusões em Família apresenta também algumas frivolidades. Quase todas, porém, compensadas de uma forma ou de outra. Embora o longa-metragem inicie sem ritmo ou particular brilho, por exemplo, o apego com os personagens logo o faz alçar vôo. E para cada momento comum e trivial existem dois singulares e inesperados. O que precisa ser dito é bem simples, na verdade. De Felitta fez um filme cuja sinceridade é verdadeiramente rara. E sua congruência dramática um tanto difícil de se encontrar. É um filme bem equilibrado, gostoso de se ver e instigante como poucos. A família Rizzo logo parece ser a sua e, antes que perceba, já está tão imerso nesta realidade de dinâmicas humanas que você está torcendo, lamentando e rindo junto aos personagens tão fortes.

Também não trata-se de uma obra de cinematografia arrebatadora. A fotografia é simples – ainda que agradável – a trilha comum e a edição apenas decente. Não trata-se do tipo de trabalho onde se analisa quadro por quadro, mas um em que se analisa nuance a nuance. E em personagens tão únicos e efervescentes, não é difícil intrometermos em suas vidas e nos deixarmos levar por seus medos e neuroses. Quando o clímax brilhante da obra chega, a conexão emocional é sóbria e a união singular destes personagens realmente atravessa a tela. Em uma época de emoções calculadas e diálogos superficiais, é uma verdadeira raridade se ver realmente comovido por personagens que são, no final das contas, gente como a gente – espelhando nossos próprios medos e neuras, tão particulares mas tão universais. (Wally Soares)