Crítica sobre o filme "Olhar do Paraíso, Um":

Wally Soares
Olhar do Paraíso, Um Por Wally Soares
| Data: 24/06/2010
Em entrevista, o diretor Peter Jackson declarou que Um Olhar do Paraíso representou o seu maior desafio. Maior até que as superproduções da trilogia de O Senhor dos Anéis - que lhe tirou apenas quatro anos - e o remake ambicioso de King Kong. Quando se confere o filme, é perceptível o desafio de se filmar a obra de Alice Sebold, que trata de temas muito frágeis, lida com muitos gêneros e confere muita complexidade e poesia. Portanto, o desafio pode se igualar ao de Ensaio Sobre a Cegueira, que muitos viam como uma obra inadaptável. Pois se Fernando Meirelles calou a boca de muita gente, em belo trabalho, não podemos dizer o mesmo acerca da adaptação de Peter Jackson, que é inundada em excessos e irregular em aspectos diversos. Apesar da decepção, porém, não é válido atribuir ao filme o sinônimo de fracasso. Um Olhar do Paraíso é um bom filme, ainda que falho. Se o roteiro surge peculiar e perdido na sua estrutura narrativa incoerente, a direção de Jackson resgata parte do valor de suas obras passadas para inserir fluidez e beleza em uma história que envolve, mesmo com suas restrições incontestáveis.

A película se inicia com a narração de Susie Salmon (Saoirse Ronan), uma jovem de 14 anos, nos informando de sua condição: ela foi assassinada pelo vizinho, George Harvey (Stanley Tucci). A trama então nos introduz à sua família, feliz e unida, até a tragédia surpreendê-los e, claro, abalá-los profundamente. O filme oscila, então, o lugar para onde Susie vai depois de sua morte - um paraíso contundente - e o legado que ela deixa para trás: uma família em luto que aos poucos começa a se despedaçar, a investigação policial do crime e o percurso de George, o assassino. Enquanto assiste a tais eventos em uma espécie de limbo, Susie se vê encurralada entre aceitar o que lhe aconteceu e seguir para o que lhe aguarda, ou olhar para o mundo que deixou para trás, com ódio e lamento.

Em síntese, Um Olhar do Paraíso pode garantir a frustração. Afinal, estamos falando de um filme comandado por um cineasta dono de filmes maravilhosos (difícil encontrar uma falha em sua filmografia). Em outras palavras, é necessário saber lidar com expectativas ao ver o longa-metragem. Por mais que possa deixar a desejar, porém, é uma obra repleta de belas virtudes. O grande erro é a forma com que a produção padece diante dos excessos. Não só a longa duração, mas a overdose de efeitos especiais e, especialmente, o uso incansável de uma tomada em especial por diversos momentos da narrativa. Incompreensível como um diretor do calibre de Jackson não se deu conta de quantas vezes utilizou da tomada, talvez surgindo como o maior incômodo de todo o filme. Existe também a quantidade irritante de diálogos ruins, a inserção de personagens inúteis e a inaptidão do roteiro em oscilar os tons proporcionados pela obra original. O filme pula do drama para a comédia, do romance para o suspense, do fantasioso para o real, em medidas peculiares e desconexas.

Dito isso, a estética da película é formidável. E isso não vale apenas para o show visual que é proporcionado pelos efeitos visuais caríssimos, mas também para a criatividade de Peter Jackson, um diretor que, ainda que meio perdido, sabe como poucos construir tomadas, realizar transições maravilhosas e empregar simbolismos importantes. A forma com que se constrói a sequência excepcional de Susie investigando o passado de seu assassino, alias, é de uma beleza irretocável. Como também é a forma com que aborda a cena do assassinato, onde muito é deixado para a imaginação. O que transparece, ao final das contas, é que Um Olhar do Paraíso é um hábil filme em suas partes, mas um trabalho irregular em seu todo. O filme é irremediavelmente enfraquecido pelo roteiro, mas também elevado pelas proezas de um trabalho de direção que captura a humanidade e o espírito da história muito bem.

Representando os olhos e ouvidos da audiência (afinal, a história é contada a partir de suas observações), Susie Salmon é retratada por Saoirse Ronan com beleza e talento magnífico. Exatamente aquele que viemos esperar após sua estreia arrebatadora. A atriz, alias, deixa até cenas outrora vergonhosas (como o clímax romântico e o encontro das vítimas no céu), relativamente aceitáveis. Sua naturalidade dilui o tom superficial por vezes almejado ao seu redor. Stanley Tucci, por sua vez, impressiona em caracterização consistente. Nitidamente se entrega ao papel, trazendo a tona o espírito abstrato e repreensível que o personagem pede. Enquanto isso, Rachel Weisz surge apagada e fria, ao passo que Mark Wahlberg tem momentos de força e de fraquezas, derrapando às vezes ao retratar a dor de pai. Mas difícil é observar o que ocorre com Susan Sarandon. Claramente talentosa, o que parece não dar certo nela é a forma implausível com que sua personagem surge em meio à trama, que não deveria ter se reservado a fins cômicos. Curioso estabelecer, alias, que as sequências com ela são muito boas, dirigidas com energia, mas totalmente estranhas ao resto da película.

Por mais incômodo que certas cenas possam ser, por mais excessivo que possam surgir um ou outro detalhe e, claro, por mais idiota que o romance da personagem morta seja, este é um filme que de forma alguma merece ser tratado como abominação - nota-se que muitos o vêem assim diante da expectativa depositada sobre ele. Um Olhar do Paraíso começa com um simbolismo perfeito e termina com desfecho bobo. É sintetizado por sua capacidade de ser, em um momento, excepcional Cinema e, em outro, cinematografia irregular. Mas não é sua irregularidade que permanece com a audiência, após o fim, mas sua coleção admirável de atributos recompensadores. Seja a cena construída com tensão magistral quando a irmã da personagem arromba a casa do assassino, a trilha sonora excelente ou as rimas visuais de rara beleza e textura, Um Olhar do Paraíso é um bom filme, antes de qualquer coisa. (Wally Soares)