Crtica sobre o filme "Barco Para a Índia, Um":

Eron Duarte Fagundes
Barco Para a Índia, Um Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 25/06/2010
Um barco para a Índia (Skepp tilll Indialand; 1947) é o terceiro filme rodado pelo sueco Ingmar Bergman e seu lançamento na Suécia foi quase simultâneo com Música na noite (1947), aquele filme que trazia um rápido mas comentado (comentado até dentro da cena por uma personagem contracenante) nu da atriz Birger Malmsten. Esta intérprete está também no elenco de Um barco para a Índia.

Este terceiro trabalho da filmografia de Bergman salienta a influência expressionista que perpassa toda a obra do cineasta nórdico. As sombras e o claro-escuro se incrustam fortemente na estrutura de linguagem do filme; há uma sequência-chave sobre o drama que envolve o conflito entre pai e filha na luta pelos encantos duma mulher, sequência descrita quase que exclusivamente pela sombra do pai em seu ato perverso. Outro dado essencial deste Bergman ainda muito primitivo em suas ingenuidades formais e temáticas é a utilização do barco como microcosmo da aventura humana; de Limite (1930), a experimentação do realizador brasileiro Mário Peixoto, a Um filme falado (2003), o vigoroso passeio intelectual do português Manoel de Oliveira, o barco é uma expressão às vezes metafórica; em Um barco para a Índia esta metáfora conflitiva existe, mas está longe da expressividade atingida por Peixoto e Oliveira nos filmes referidos.

Um barco para a Índia vai debruçar-se sobre as vidas de algumas pessoas ligadas à existência no mar. É a história do capitão Blom e sua família problemática, a perspectiva dele de ficar cego, seu vazio conjugal, a violência com que trata seu filho corcunda, suas difíceis relações com a filha; até o dia em que conhece uma garota por quem se sente atraído e planeja largar tudo por ela. Mal dos pecados, seu filho corcunda vai disputar esta garota (uma cantora de coral) com o pai. A disputa pai-filho por uma mulher lembra a da mãe-filha por um homem em Crise (1945), mas em Um barco para a Índia a peleja é mais rude e perversa, embora não chegue aos limites atrozes de comportamento humano alcançados por uma obra-prima como Sonata de outono (1978).

Outra curiosidade é a presença de Gertrud Fridh, que vive Sally, a garota disputada, cantando e rebolando num palco, meio que antecipando a performance de Liv Ullmann em O ovo da serpente (1979). Como ocorria com Crise, o filme também parte duma peça teatral; em Um barco para a Índia o texto original pertence a Martin Södeehjelm. Assim, de grão em grão, vamos colhendo os primeiros frutos (ainda “imberbes”) do cinema de Bergman. (Eron Fagundes)