Crítica sobre o filme "Lola Montès":

Eron Duarte Fagundes
Lola Montès Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 25/06/2010
Na abertura de seu livro O estilo transcendental em filme: Ozu, Bresson, Dreyer (1972) o ensaísta e cineasta norte-americano Paul Schrader anota: “Em cenas recentes o cinema tem desenvolvido um estilo transcendental, um estilo que tem sido usado por vários artistas em diversas culturas para expressar o Sagrado.†Com Lola Montès (1955) o realizador alemão Max Ophüls chega ao sagrado pela profanação: como os mestres estudados por Schrader, Ophüls transcende. A personagem de Ophüls é uma cortesã europeia, uma mulher que distribuiu seu corpo a reis, nobres e milionários de seu tempo, meados do século XIX; mas ela nunca se despe em cena, está sempre aparatosamente vestida como convém a uma encenação de época e seus pecados, transcendendo-se, adquirem uma aura sacra, uma religiosidade icônica nas mãos estéticas e espiritualizadas de Ophüls. Só que o estilo de filmar do diretor alemão não tem os despojamentos extremados do japonês Yasuijiro Ozu, do francês Robert Bresson e do dinamarquês Carl Theodor Dreyer, a intensidade barroca de cores, movimentos de câmara e cenários atulhados atinge em Lola Montès a suprema divindade cinematográfica segundo Ophüls.

Lola Montès foi o último filme de Ophüls. Saiu caro para sua época: foi uma extravagância. E, apesar de contar no elenco com o estrelismo erótico de Martine Carol no papel central, não teve aceitação do público. Foi remontado pelos produtores e dois anos depois, ao morrer, Ophüls saía melancolicamente do espetáculo imaginando a destruição de sua obra pela indústria do cinema. François Truffaut, crítico francês que admirou o filme na primeira hora, captou o problema: “A construção do filme é extremamente rigorosa e, se chega a confundir alguns espectadores, isto se deve ao fato da maioria dos filmes ser contada da mesma maneira há cinquenta anos.†(1955). A narrativa de Ophüls é inspirada no romance A vida extraordinária de Lola Montès, de Cecil Saint-Laurent; Lola Montès de fato existiu, nasceu na Irlanda, foi cortesã e bailarina, teve um caso famoso com o rei Luís da Baviera, foi amante de Franz Liszt e Alexandre Dumas Filho e participou do círculo intelectual da escritora francesa George Sand.

O filme de Ophüls costura sua cinebiografia livre e acronológica de Lola Montès com uma apresentação circense onde um alucinado mestre de circo vivido por Peter Ustinov canta os lances da vida da protagonista. Em certos aspectos vê-se claramente o quanto um filme como O homem elefante (1980), do norte-americano David Lynch, deve às invenções e signos criados originalmente em Lola Montès. A mulher-objeto e o signo do estrelato de que participa o próprio cinema (a senhorita Carol no papel de Lola é uma autocrítica de Ophüls) são reversões metalinguísticas que o cineasta executa com mestria em Lola Montès; Lola é a estrela que sobe e decai, e que vai ter seus respingos de fama na grande sequência final em que Lola, encaixotada em algo que parece ser uma jaula (Lola, uma fera do circo, circo social), dá a mão a beijar a uma multidão de homens, enquanto a câmara procede a um recuo como para dentro da tela como querendo a ação dos espectadores neste beijar a mão de Lola.

Ocupa parte essencial de Lola Montès o relacionamento dela com Luís da Baviera. Ophüls o retrata mais como um esteta do que como um devasso, embora aclare que sua derrocada se deveu à intromissão duma mulher, Lola: a cortesã minando a realeza pela carne. A mesma figura de rei foi filmada por Luchino Visconti em Ludwig, a paixão de um rei (1973), mas o Luís de Visconti, apesar da elegância estilística com que é encenado, é mais devassado em suas fraquezas e ignorâncias. O alemão Hans Jürgen Syberberg também visitou um retrato do rei em Ludwig, réquiem para um rei (1972), porém seu sombrio experimental se distancia muito dos esplendores barrocos da corte vista por Max Ophüls. (Eron Fagundes)