Crítica sobre o filme "Amelia":

Wally Soares
Amelia Por Wally Soares
| Data: 27/07/2010
Diretora indiana de filmes fortes e emocionantes como Nome de Família e outros que exaltam a beleza da mulher independente como Feira das Vaidades, Mira Nair parecia a escolha perfeita para conduzir uma cinebiografia sobre Amelia, um símbolo feminino e uma marca na história da aviação. Até certo ponto, alias, Amelia prometia ser um grande filme. Elenco e produção geravam antecipação e todos previam que o filme – ou ao menos a excelente Hilary Swank – estaria entre os indicados do Oscar®. Não foi até que o filme finalmente estreou que a verdade amarga desceu. A beleza da vida emblemática e irônica de Amelia Earhart fora desperdiçada em um filme redondo e terrivelmente convencional, repleto de trivialidade e meias verdades.

Em estrutura narrativa promissora mas irregular, o longa-metragem inicia-se já no glorioso momento de embarque do que seria o último vôo de Amelia Earhart (Hilary Swank) – o qual entraria para a história. A partir de então, o roteiro nos leva para trás para conhecermos quem foi Amelia, partindo de sua infância e evoluindo até seus tórridos relacionamentos e conquistas, incluindo sua paixão por George Putman (Richard Gere), seu caso com Gene Vidal (Ewan McGregor) e seu papel fundamental na história da aviação – tudo entrecortado pela derradeira volta ao mundo de Amelia, a qual vemos em pedaços até momentaneamente chegarmos ao clímax.

Como seria de se esperar, Amelia possui fortes atributos no que se diz respeito a sua parte técnica e toda sua concepção visual. Ótima direção de arte, figurino expressivo e fotografia que captura lindamente os vôos gloriosos da personagem. Entretanto, como o próprio roteiro redondo demais, a estética é acadêmica e sem vida. Não há vestígios de poesia, vibração ou qualquer senso de ousadia. Planos soam congruentes, mas nunca interessantes. O que irradia espirituosidade e eleva momentos da pura artficialidade é a trilha sonora composta por Gabriel Yared (O Paciente Inglês), criando um tema forte e sólido para a personagem ao passo que textura sequências com um lirismo que, por sua vez, encontra-se completamente vazio quanto à condução de Mira Nair, quase que no piloto-automático.

Amelia apresenta a personagem-símbolo, narra os fatos, insere conflitos aqui e ali e, no meio do enfadonho, joga algumas sequências de tensão e emoção. É a execução de uma fórmula no seu sentido mais retrógrado. A metragem caminha de forma maçante e frígida, compondo os momentos grandiosos da vida de Amelia com frieza e um calculismo lamentável. Não há uma conexão sólida com a personagem da mesma forma que não se forma uma compreensão do que sua vida e suas conquistas representaram. O roteiro, escrito por Ronald Bass (Rain Man) e Anna Hamilton Phelan (Nas Montanhas dos Gorilas) possui ótimas idéias espalhadas pela narrativa – como ao abordar a dinâmica entre Amelia e a mídia. No entanto, não passa de uma abordagem e de uma idéia, já que nunca é desenvolvida satisfatoriamente. Como também não é a força extraordinária dela na sociedade como mulher independente ou sua vulnerabilidade nos horizontes do romantismo e do desejo. Talvez todos os aspectos mais importantes de Amelia foram abordados, mas não houve textura ou discernimento na superficialidade da análise.

Hilary Swank, que tinha tudo para ser o coração e alma de Amelia – talvez até o salvando da própria incompetência – é totalmente comprometida pela fraqueza com a qual sua personagem é roteirizada e conduzida. Visualmente, Swank ficou idêntica à personagem e sua imitação é infalível. Mas, em síntese, ela é bem como o próprio filme: rígida, dura, sem emoção. À parte de duas sequências em especial, nas quais Swank revela o quanto consegue ser boa, trata-se de uma performance um tanto desperdiçada e decepcionante. Não há muito o que dizer do elenco coadjuvante bem desinteressante, com um enfadonho Richard Gere e um praticamente ausente Ewan McGregor. A relação de Amelia com este último, alias, é retratada de maneira covarde – durando apenas uma sequência e simplesmente colocada de lado, sacrificando sua provocante intensidade. Há muito entreolhado ou jogado para debaixo do tapete neste filme, como próprios feitos grandiosos de Amelia. Em corrida específica, por exemplo, Amelia na vida real chegou em terceiro por ter parado para salvar uma amiga após acidente. No filme, nada disso é revelado.

Em seus últimos minutos, Amelia eleva-se à outro patamar. O clímax do filme é de imensa beleza não só na sua vibração estética, mas na sua condução narrativa – que transborda tensão mortificante e emoção genuína. É bom o suficiente para fazê-lo parar para pensar e indagar onde é que estava toda essa virtuosidade no restante da película e porque veio a se manifestar apenas quando a película chegasse ao seu fim. Então, por mais que Amelia tenha um belíssimo desfecho e deixe uma impressão final poderosa, é inegável sua mediocridade tanto como biografia quanto como Cinema. (Wally Soares)