Por Rubens Ewald Filho
| Data: 06/08/2010
O sensacional Paul Greengrass e o cada vez melhor Matt Damon unem forças novamente em Zona Verde após os dois últimos excelentes capÃtulos da trilogia Bourne. Desta vez, Greengrass mistura a ação ininterrupta consagrada nos filmes do agente sem memória com a urgência polÃtica de seus filmes prévios – como Domingo Sangrento e Vôo United 93. O resultado é, como seria de se esperar, empolgante. Tão empolgante quanto provocativo, aliás. Zona Verde é o filme que O Reino, de Peter Berg, queria ter sido há três anos. Ao misturar o gênero do thriller de ação com um contexto polÃtico sério e importante, Zona Verde almeja um equilÃbrio fantástico e verdadeiramente vibrante, já que o enredo e os diálogos recebem tratamento tão visceral quanto a ação extasiante que envolve a maior parte da pelÃcula.
Baseado em livro de Rajiv Chandrasekaran, o filme retrata os eventos pós-invasão do Iraque em 2003. Quase inteiramente sediada na tal zona verde do tÃtulo, a história é protagonizada por Roy Miller (Matt Damon), lÃder de um esquadrão à procura de armas de destruição em massa (ADMs) das quais o paÃs foi acusado de possuir – surgindo como o principal motivo dos Estados Unidos terem ido à guerra. Cansado de chegar aos locais suspeitos e não encontrar nada, Miller começa a refletir acerca do propósito daquela invasão cada vez mais fora de controle.
Apesar de ter custado incrÃveis US$100 milhões, Zona Verde arrecadou mÃseros US$35 milhões em terras estadunidenses. O motivo é claro: o filme de Paul Greengrass esmiúça uma das maiores mentiras do século 21. Consequentemente, envergonha toda a nação americana, que comprou a farsa que lhes fora vendidos. Para um americano, assistir Zona Verde será um verdadeiro soco no estômago. E é aà que o longa-metragem ultrapassa a tênue linha que o separa do mero filme de ação eficiente, se tornando uma obra verdadeiramente essencial e significativa. A desilusão sofrida pelo personagem principal é devastadora e espelha toda uma nação – e a atuação sincera, singela e consistente de Matt Damon é um total acerto. O elenco coadjuvante é, por si só, admirável. Jason Isaacs, Amy Ryan e Brendan Gleeson marcam presença em ótimas performances – quem se destaca, porém, é Greg Kinnear fazendo excepcionalmente bem um tipo de papel que normalmente não faz: o de canalha.
Tendo iniciado sua carreira filmando documentários em zonas de guerra, Greengrass atingiu um nÃvel de perÃcia visÃvel em Zona Verde, um filme dirigido com espetacular segurança. Como já havia realizado em alguns de seus filmes anteriores, o cineasta britânico faz uso de não-atores em abundância – especialmente com soldados americanos. Une isso à condução intensamente realista que já esperávamos de um filme do diretor, e temos uma obra que lhe insere completamente nos eventos que retrata. Quando a tensão aperta no ato final e o ritmo frenético atinge outro nÃvel, a empolgação é inevitável e a emoção, genuÃna. São virtudes pouco comuns quanto se trata de um gênero cada vez mais condensado. Não só isso, mas Zona Verde surge como mais um poderoso filme pós-11 de Setembro, contribuindo para a camada crescente de filmes do que já pode ser considerado um sub-gênero.
Dito isso, a familiaridade provocada por Zona Verde é quase tão forte quanto sua fascinação. Recuperando o mesmo estilo câmera na mão tornado famoso na série Bourne e ainda contando com o mesmo ator protagonista, o déjà vu é – em vezes – incômodo. Até porque, em momentos, ficamos com a nÃtida impressão de que a ação está sendo comandada quase que em piloto-automático, sem muito frenesi ou textura. Ainda assim, são instantes raros que se camuflam muito bem com o resto do filme – uma aula visceral de Cinema tenso e ágil (impossÃvel, alias, não elogiar a montagem impecável). O cuidado estético é também notável, principalmente levando em conta que o filme foi filmado em diversos locais – tais como Marrocos e Espanha – ao invés de ser filmado em locação no Bagdá. Os efeitos especiais coadjuvantes e a direção de arte exemplar nos convencem perfeitamente de que não só estamos no Iraque – onde o caos reina – mas que estamos visceralmente protagonizando um ponto de virada histórico.
O roteiro construÃdo por Brian Helgeland (Sobre Meninos e Lobos) é, alias, especialmente notável ao retratar os eventos do filme como este momento essencial para a história – uma hora decisiva, literalmente. Ao fim da primeira sequência do filme, a câmera sobe para nos revelar as explosões gigantescas que marcaram o inÃcio da invasão. Cortamos então para alguns meses depois, momento onde uma cadéia de eventos poderia ter mudado tudo – a guerra, como já sabemos, persistiu por mais sete anos. Mesmo com a mÃnima satisfação ao fim do filme da verdade vindo a tona, a amargura se solidifica e permanece com o espectador muito após o fim da sessão. (Wally Soares)
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À medida que os anos passam e que o espectador vai penetrando nas fórmulas de filmar do realizador inglês Paul Greengrass , os maneirismos dum filme como Zona verde (Green zone; 2010) se tornam incômodos e constrangedores por seus artificialismos e falsificações, ainda que se pense no esforço de seriedade temática que Greengrass se impõe. Na verdade, o cineasta se revela um esperto oportunista. A moda no cinema americano é a guerra do Iraque e suas relações com o governo Bush (paradoxalmente, o melhor filme desta safra, Redacted, 2007, de Brian de Palma, permanece ignorado por aqui como um filho maldito). Que faz Greengrass? Vale-se de sua estrela-criatura Matt Damon para expor a mea culpa americana refletindo sobre a guerra como um efeito-equÃvoco das deformações de informações que circularam entre o Pentágono e a imprensa oficial; mas quem garante que uma realização como Zona verde não é mais um elemento da falsificação final do Ocidente ao ingerir-se no particular mundo do Oriente Médio?
Com uma narrativa trêfega e imagens granuladas simulando filmagens em vÃdeo, pode-se dizer que Zona verde mantém as facilidades de um cinema de ação travestido de intenções crÃticas. Mas de maneira alguma é suficientemente agudo ou novo em suas observações de um tema da moda. (Eron Fagundes)
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Brasileiro acha o norte-americano ingênuo, dentro da sabedoria nacional que rejeitou, por exemplo, o filme do Lula. E certamente vai considerar este novo thriller da dupla da série Bourne, o astro Damon e o diretor Greengrass, muito barulho por muito pouco. Toda a elaborada produção é para, no final das contas, revelar que a administração Bush estava mentindo para o público e que não havia armas de destruição global entre o arsenal do Iraque, e sim apenas uma desculpa que ele havia usado para invadir o paÃs (quando na verdade queria mesmo era o petróleo). Mas qualquer jornal, qualquer comentarista, qualquer pessoa aqui no Brasil já cansava de dizer isso na época. Era tão evidente que o americano até hoje se recusa a ver e faz de conta que não quer perceber a enrascada em que entraram na região e não conseguem sair.
O thriller é construÃdo no velho esquema de sempre da dupla, que funcionou tanto nos Bournes: câmera na mão, seguindo personagens, sempre tremendo, sempre muito escuro (há sequências ao final em que não se enxerga literalmente nada, embora pareça que a intenção seja justamente essa, reproduzir a sensação de ver um helicóptero pegar fogo e cair na escuridão). Para sua informação, o diretor de fotografia é o mesmo Barry Ayckroyd, que fez Guerra ao Terror, então qualquer semelhança não é coincidência (o filme foi rodado na Espanha e Marrocos).
O roteiro é esquemático, com Matt Damon fazendo o ingrato papel do oficial honesto e sério, que não se conforma que a chamada inteligência, ou seja, as informações sobre as possÃveis armas estejam consistentemente erradas. Então ele começa a fazer perguntas que seus superiores não querem responder. Greg Kinnear faz o representante do governo que tenta disfarçar a situação, e Amy Ryan vive uma jornalista que faz perguntas e tem poucas respostas. O inglês Gleeson é o único que lhe dá as dicas de que há algo de podre naquele governo.
Na verdade, não há nada de novo no filme que já não tenha saÃdo em jornais ou nada que não tenha sido discutido em documentários, isto é, que a invasão foi um caos, que não houve estratégia, que fizeram tudo errado, principalmente rejeitando o exército iraquiano (que era contra Saddham Hussein). Eles tentam comprimir essas informações reais numa história de ação, mas é difÃcil atingir um público que não está interessado no assunto. O filme custou U$ 100 milhões (R$ 177 milhões), sendo que nos EUA não rendeu mais de 33 milhões (R$ 58, 41 milhões). Aqui tampouco vai dar certo. É uma denúncia que, para os mais espertos, já ficou velha. E aqueles que deviam ouvir, não vão se interessar. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 15 de abril de 2010. Rubens tem um blog exclusivo no portal R7)