Crítica sobre o filme "Entre Irmãos":

Wally Soares
Entre Irmãos Por Wally Soares
| Data: 12/08/2010
Caso cada vez mais comum de refilmagem de um filme muito recente, Entre Irmãos de Jim Sheridan (Terra dos Sonhos) é baseado no roteiro de Brothers, longa-metragem dinamarquês de 2004 dirigido por Susanne Bier. Se no filme original regia um tom opressor e de melodrama acentuado – em técnica de filmagem condizente com o movimento Dogma – o remake de Sheridan é mais simples e sutil. Curioso analisar como cada um dos diretores enfrentaram o desafio da história de formas quase antagônicas – e como cada elenco reagiu diferenciadamente aos personagens. Apesar da aclamação em terras estadunidenses, Brothers foi um filme difícil e de emoções que oscilavam entre a crueza e a frieza. Algo que recebeu uma tonalidade diferente nas mãos de Sheridan, que abandona a câmera a ala Dogma pela fotografia mais rígida e clássica. São, de fato, propostas distintas que podem vir a se complementar. De qualquer forma, ambos são filmes imperfeitos.

Os irmãos do título são Tommy (Jake Gyllenhaal) e Sam (Tobey Maguire). Se Tommy é o caso clássico de disfunção, pouco tendo a oferecer e ex-presidiário, seu irmão Sam é o orgulho da família: casado, com 2 filhas, servindo o país no exército. Quando Sam parte para o Afeganistão, porém, ele é dado como morto após ser sequestrado por terroristas. Abalados pela morte do ente querido, a família de Sam tenta reconciliar a dor. Neste contexto, Tommy começa a se aproximar de Grace (Natalie Portman), mulher de Sam, e de suas filhas, tentando ajudá-las no momento difícil. A aproximação perigosa entre em ebulição quando, inesperadamente, Sam é encontrado e volta para casa – perturbado por uma escolha e indiferente ao que encontra.

Entre Irmãos é o filme certo para o momento certo. O zeitgeist da Guerra do Iraque ainda está sendo incansavelmente retratado no Cinema e poucos filmes possuem visões mais diferenciadas e cortantes. Como O Mensageiro, a obra de Jim Sheridan oferece esta inebriante satisfação emocional ao espiar a vida de pessoas que ficaram presas na teia gerada pelo estigma da guerra. Com diálogos e personagens muito interessantes em mãos, o roteiro é de uma evolução gradativa. Começa simplista e aos poucos se torna intrigante até finalmente explodir em seu clímax que sintetiza todo um desabafo emocional de uma geração oprimida. O forte do roteiro escrito por David Benioff (O Caçador de Pipas) é não julgar os personagens, deixando com que cresçam livremente ao longo da jornada – assim, suas escolhas mais perigosas surgem naturais. Por outro lado, é preciso reconhecer a limitação emocional da película, especialmente ao analisarmos o desfecho decepcionante.

A impressão com a qual ficamos ao fim de Entre Irmãos é a de que, na tentativa de fazer algo radicalmente diferente da visão conferida em Brothers, Sheridan e Benioff excluíram muitos elementos indispensáveis, mesmo que tenham acrescentado outros valiosos. Faltou equilíbrio, em outras palavras. Como dito, a versão americana é simples na sua abordagem e em seu visual, que por sua vez carece subjetividade e um ar mais pessoal. Necessitava uma conexão vibrante com a audiência, para que ela se sentisse pega no furacão de emoções que lentamente ganhava forma. Então, ainda que seja uma forte história e um bom filme em seu todo, é inegável a pouca disciplina estética e narrativa demonstrada pelo cineasta e pelo roteirista – particularmente ao retratar os eventos que se passam no Afeganistão.

O elenco da obra é ótimo, como seria de se esperar. Gyllenhaal prova mais uma vez ser um dos atores mais naturais e convincentes de sua geração, ao passo que Maguire realiza algo completamente diferente de tudo que já fez – em desempenho marcante. Natalie Portman dispensa comentários, em papel contido, sutil e emocionante. Sobra espaço ainda para uma ponta excelente de Carey Mulligan (em cena de completo improviso) e uma atuação reveladora da jovem Bailee Madison. Os atores elevam o próprio texto, extraindo dor e afeto de seus personagens de formas instigantes. Nos envolvemos pelas emoções em jogo e nos impactamos pela direção que tudo toma ao final (impressão amenizada caso você já tenha conferido a versão original), ainda que – como já mencionado – tenha faltado acidez no desfecho apenas correto.

Com a belíssima canção do U2 chamada “Winter†tomando conta dos créditos finais com sua letra assombrosa (foi escrita especialmente para o filme), Entre Irmãos pode ser inconsequente em certas direções do roteiro ou desestimulante em escolhas da direção, mas o fato é que trata-se de uma história muito particular cuja força ecoa muito após a sessão ter se finalizado. Em época de filmes fast-food, para digestão rápida e descartável, é sempre bom encontrar um que tenha algo a dizer. Ainda que longe do ideal, o discurso de Entre Irmãos é especialmente memorável. (Wally Soares)

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Se o oscarizado Guerra ao terror (2008), de Katrym Bigelow, observa o terror no interior da guerra, Jim Sheridan em Entre irmãos (Brothers; 2009) se esforça por relatar as evidências do terror depois da guerra. Sheridan vai falar das bombas psicológicas que a guerra ativou e as quais muitas vezes são mais difíceis de desarmar.

Em boa parte de sua narrativa Entre irmãos segue a estrutura do drama familiar clássico de Hollywood. O jovem militar, sua bela esposa, as filhinhas, o irmão problemático mas amigo, o pai distanciado: boas e amáveis e semisilenciosas relações familiares, um pouco ao modelo dos anos 80 cinematográficos na América; um doce-amargo regresso, esteticamente falando. O método de composição do quadro e os truques dramáticos de movimentação dos atores são mesmo esquemáticos.

Mesmo assim, Sheridan sabe atrair o espectador para suas malhas graças a uma certa dose de sensibilidade. E seu filme sobe de peso quando se dá o confronto de irmãos. O que ficou cuidando da família do militar em missão no Afeganistão (esposa e filhas) e o que veio da guerra marcado pelos horrores bélicos (fora obrigado a matar um amigo para sobreviver entre os inimigos); as tensões são bem expostas por Sheridan e o filme ganha uma estrutura acima dos padrões em que está embutido.

Demais, o elenco central (Natalie Portman, Toby Maguire e Jake Gyllenhall) se afina como raras vezes se viu no atual cinema americano. E o resultado é um filme bom de ver, sem grandes voos, mas capaz de dar com clareza seu recado. (Eron Fagundes)