Antes de atingir seu estado completo em celulóide, a reinvenção de Robin Hood passou por muita coisa. Escrito pelos pouco conhecidos Ethan Reiff e Cyrus Voris (do recente Kung Fu Panda), o roteiro original se chamava “Nottingham” e colocava o xerife arqui-inimigo de Robin Hood como protagonista, dando uma revira-volta na história (e na fórmula) ao retratá-lo mais como herói e Robin mais como vilão. O roteiro foi disputadíssimo até cair nas mãos da Universal – e, consequentemente, de Ridley Scott. Este quis reescrever o roteiro, já que queria o xerife de Nottingham como um personagem mais atormentado. Foi então que Brian Helgeland entrou na produção. Como se não bastasse, porém, Paul Webb e Tom Stoppard também praticaram inúmeras revisões no roteiro (enquanto o filme ainda estava sendo filmado). Robin Hood é, portanto, filho dessa produção caótica, chegando ao ponto de ter sua idéia inicial completamente deturpada.
A história, que se passa na Inglaterra do século XIII, é a formação da lenda de Robin Hood como a conhecemos. Não é por nada que ao final da película lê-se (antes dos créditos): “e assim a lenda começa”; a história é como este simples arqueiro se tornou aquele herói que conhecemos de filmes e desenhos. Interpretado por Russell Crowe, Robin abre o filme participando da Cruzada do Rei Ricardo Coração de Leão. Quando a sorte vira contra ele e o Rei é morto em batalha, se junto à três companheiros que vão em busca da liberdade. Ao testemunhar um sangrento confronto de interesses floresta adentro, porém, encontra a coroa do Rei sendo levada de volta à Londres. É então que decide assumir a identidade do portador desta, consequentemente o levando a assumir papel importantíssimo nos eventos que se seguem entre o conflito dos ingleses e franceses.
Claramente, a idéia de ter o xerife de Nottingham como protagonista nem teve lugar nesse mundo redondo concebido paralelamente por cinco roteiristas diferentes. Alias, o personagem é extremamente secundário. Mesmo deixando a decepção de lado, o roteiro de Robin Hood ainda assim surge incoerente e sem personalidade. A história linear é, também, um tanto formuláica, recheada de diálogos bobos, momentos esquemáticos e personagens sem graça. O próprio Robin revela ser caricato e raso, mesmo com os exageros dramáticos do roteiro para tentar humanizá-lo ao máximo possível. Com todos esses problemas, porque então trata-se de um bom filme? Concebido por Ridley Scott com sua veia habitual para conduzir grandes épicos (sem necessariamente contar com roteiros excelentes – o próprio Gladiador pecava neste aspecto), seu Robin Hood é entretenimento puro. E, sob este ponto de vista, é uma obra incrivelmente eficiente.
O que chama atenção de primeira é o furor visual da película. Direção de arte estupenda, figurino hábil e contido, fotografia com belíssimos momentos e um uso espetacular de efeitos visuais. Existem sequências especialmente memoráveis pelo tal uso dos efeitos e, na grande batalha final, surgem imprescindíveis para a textura visceral de épico grandioso que o filme atinge. É neste contorno de entretenimento que Robin Hood se encontra, é efetivo e até “belo” dentro de certos contextos. O roteiro é mesmo o grande empecilho, mas o próprio Scott poderia ter se comprometido a realizar algo que ultrapassasse a mera banalização de um gênero um tanto cansado.
E, onde tem Ridley Scott, tem Russell Crowe. Crowe tenta demais aqui. Talvez por estar querendo lutar tanto contra as críticas que surgiram na época da escalação sobre sua idade para representar o papel, Crowe se esforça em demasia e o personagem acaba soando falso e canastrão (o roteiro contribui, claro). O resto do elenco, porém, é repleto dos agrados – diversamente, alias, contribuem para suavizar as derrapadas do roteiro, deixando diálogos mais honestos e certas cenas mais intimistas. Cate Blanchett, por exemplo, pode ter sido bem desperdiçada, mas aproveita cada momento. William Hurt está sensacional nos poucos minutos que aparece, como também está Eileen Atkins. Mark Strong continua provando desempenhar muito bem o papel de vilão e o grande Max von Sydow surge em alguns valiosos momentos. O incômodo fica por conta da presença de Mark Addy, eternamente marcado como Fred Flinstone – o figurino aqui não ajudou.
Longe da ressonância textual de Cruzada ou do tom grandiosamente emocional de Gladiador, Robin Hood é um épico “menor” de Scott. Um filme vítima de uma produção excessivamente desequilibrada e inconstante – e, claro, da falta de foco de um cineasta que poderia ter relutado e abordado seu roteiro com maior criticidade. Não precisava ser “Nottingham”, mas Robin Hood, com toda sua pompa, adrenalina e delícia técnica, poderia ter sido um filmaço. Logo, porém, será esquecido.