Crítica sobre o filme "Golpista do Ano, O":

Wally Soares
Golpista do Ano, O Por Wally Soares
| Data: 07/10/2010

Baseado na história real de Steven Jay Russell – fato que deixa O Golpista do Ano ainda mais fascinante – o longa-metragem de estréia de Glenn Ficarra e John Requa é um filme ousado e particularmente incisivo que conta uma história que a maioria dos cineastas atuais teriam medo de narrar. Escrito por ambos com base no livro de Steven McVicker com bom humor e muito tato, Ficarra e Requa resgatam a experiência adquirida nos roteiros espertos de Papai Noel às Avessas e Segura... Chegaram os Bears e a elabora à um escopo muito mais amplo. Se O Golpista do Ano começa como uma comédia extravagante (até errando um pouco o tom e caindo no gratuito) aos poucos se torna um drama especialmente emocionante, seja pelas circunstâncias nada convencionais ou mesmo pela textura genuína de seus personagens. Por mais absurda que seja esta história (e há momentos inacreditáveis), Ficarra e Requa nos convencem completamente de sua veracidade.

Originalmente intitulado Eu Te Amo Philip Morris (em contraponto ao título nacional absurdamente covarde), a obra narra a história de Steven (Jim Carrey), pai de família com bom emprego como policial e conhecido por seus valores tradicionais. O que não evita, porém, que Steven possua relacionamentos extra-conjugais estritamente sexuais com homens – já que, apesar de casado, sempre foi gay. Quando sofre um acidente quase fatal, Steven se dá conta da preciosidade de sua vida e decide vivê-la por completo, assumindo sua homossexualidade e deixando a vida hipócrita pela liberdade. É quando assume um estilo de vida muito mais caro do que lhe é possível, recorrendo então a realizar golpes diversos – algo que, consequentemente, o leva para cadeia, onde finalmente conhece Philip Morris (Ewan McGregor) e se apaixona perdidamente por ele.

Como já foi dito, há um tom de absurdo e humor exagerado nos minutos iniciais de O Golpista do Ano, como se os diretores – inseguros – tivessem que frisar ser “uma comédia de Jim Carrey”. A personificação do ator em si soa extravagante demais e é um pouco difícil se integrar de verdade ao enredo que se introduz. Pode até, alias, distanciar um pouco o espectador que se sentir ofendido pela casualidade com a qual Steven abandona sua família, assumindo sua homossexualidade – e a cena em que tal fato é revelado surge explícita, certamente gerando algum desconforto nos desavisados. É a partir daí, porém, que o longa-metragem começa a se encontrar, deixando os excessos de lado e construindo sua história absurda com imensa plausibilidade e, mais importante, sinceridade. Os detalhes aqui fazem grande diferença, em sutis lembranças de que os personagem em tela são muito reais e seus dilemas, extremamente afetivos.

Quem está esperando uma comédia sobre gays no pior estilo Cruzeiro das Loucas – como o filme está sendo vendido no país, lamentavelmente – não vai durar muito. Após o primeiro ato, O Golpista do Ano abraça completamente seu tema e vira uma obra sobre os dois estilos de vida antagônicos que seu personagem abraça: além de se assumir, Steven se torna um golpista muito articulado. Quando conhece Philip Morris, o filme já se transforma em um romance, gênero ao qual se dedica até o desfecho, sem reservas na hora de mostrar certas intimidades. Neste sentido, é necessário elogiar a dupla de protagonistas. Carrey abre a metragem com seu humor físico habitual, mas evolui – juntamente com o personagem – em atuação muito boa. Não tão boa, porém, quanto a performance fantástica de Ewan McGregor, que constrói de forma original e concisa um tipo que seria difícil de desempenhar sem cair no gratuito ou no óbvio. Os dois juntos soltam faíscas e nos convencem perfeitamente do amor (e da turbulência) que há entre ambos.

O que realmente dá o tom de sofisticação cinematográfica para O Golpista do Ano é a direção, que evolui incrivelmente ao longo da projeção. Existem momentos verdadeiramente irretocáveis na condução de Requa e Ficarra que compensam a esperada irregularidade que costuma marcar filmes de estreia. Há um senso de segurança aqui sintetizado por belo uso de câmera, planos contemplativos e uma edição criativa que se torna realmente notável nos últimos minutos. Houve dedicação perceptível aqui e, principalmente, afeição palpável pelos personagens – algo que, consequentemente, afeta a própria audiência. Contanto que esta tenha a mente aberta o suficiente afim de valorizar a bela história (verídica, vale lembrar) aqui contida.