Crítica sobre o filme "Madrugada dos Mortos":

Jorge Saldanha
Madrugada dos Mortos Por Jorge Saldanha
| Data: 11/11/2010
O filmes de zumbis, aqueles mortos-vivos claudicantes comedores de carne humana, tradicionalmente compunham um sub-gênero menor dos filmes de terror. Até recentemente havia poucas produções deste tipo dignas de nota, dentre elas se destacando a trilogia do diretor e roteirista cult George A. Romero: A NOITE DOS MORTOS-VIVOS (NIGHT OF THE LIVING DEAD, 1968), DESPERTAR DOS MORTOS (DAWN OF THE DEAD, 1978) e DIA DOS MORTOS (DAY OF THE DEAD, 1985). O maior mérito dos filmes de Romero foi retirar o zumbi de seu habitat tradicional, as selvas da América Central, e transportá-lo para o meio urbano (ou suburbano), abrindo espaço para uma rica série de alegorias e críticas à sociedade capitalista norte-americana - e, por extensão, de todo o mundo ocidental.

Como a atual onda sobrenatural segue em alta tanto no cinema como na TV e os zumbis são a bola da vez (vide a excelente série de Frank Darabont THE WALKING DEAD), nada mais oportuno que revisitar este MADRUGADA DOS MORTOS (DAWN OF THE DEAD), que Zack Snyder (300, WATCHMEN) dirigiu em 2004. Filmes como RESIDENT EVIL (2002), de Paul W. S. Anderson, e EXTERMÃNIO (28 DAYS LATER, 2002), de Danny Boyle, prepararam o terreno para esta refilmagem de DESPERTAR DOS MORTOS, que é até hoje o melhor exemplar da safra iniciada no século 21 já que, surpreendentemente, e perdoem-me os puristas, é tão bom quanto o original.

A surpresa se justifica mais por esta ter sido a estreia na direção de Zack Snyder que, do início ao fim, demonstrou a segurança e a habilidade de um talentoso veterano. Um dinâmico prólogo, no qual Ana é jogada no pesadelo em que se transformou a cidade, garante ao espectador que ele irá assistir a um filme acima da média. E a promessa é cumprida já nos excelentes créditos iniciais que se seguem, onde, através de uma colagem de vídeos ao som de Johnny Cash, o público tem conhecimento de que o mundo está sendo tomado pelos mortos-vivos.

A alegoria à sociedade de consumo continua lá - os consumidores, para não serem devorados, encastelam-se em um shopping, o templo do consumo - mas Snyder diminuiu o humor e fez algumas alterações importantes no conceito estabelecido por Romero. Os zumbis não são mais as criaturas lerdas dos velhos filmes, mas sim velozes e letais como em EXTERMÃNIO. Também, diferentemente dos filmes de Romero, eles não atacam animais, e somente vira zumbi quem é por eles mordido, o que leva à conclusão de que a causa de tudo é uma infecção viral, como no longa de Danny Boyle e em RESIDENT EVIL. O filme é eficazmente sério, e nos poucos momentos em que sorrimos é por causa de um humor amargo e irônico, como na sequência do jogo de tiro ao alvo “Acerte na Celebridadeâ€.

A versão de MADRUGADA DOS MORTOS lançada em Blu-ray é a do diretor, onde em relação à exibida nos cinemas temos quase 10 minutos de cenas adicionais, algumas acrescentando mais sangue e violência ao filme, mas que graças a cortes rápidos e precisos, não parecem gratuitas ou exageradas. Aliás os efeitos digitais e de maquiagem são muito bons, e utilizados nos momentos certos. Na época houve uma certa polêmica em torno do “bebê zumbiâ€, mas sinceramente achei um exagero, já que o monstrinho aparece por poucos segundos e não ataca ninguém. Quem não gostou precisa ver NASCE UM MONSTRO (IT’S ALIVE, 1974), pequeno clássico de Larry Cohen onde um bebê mutante destroça gargantas embalado pela música de Bernard Herrmann...

Beneficiado pelo bom desenvolvimento dos personagens, que evita os estereótipos tão comuns nestas produções, o elenco cumpre bem sua missão, principalmente Sarah Polley e Ving Rhames - o papel do policial durão caiu como uma luva para a eterna carranca do ator. Adicionalmente os fãs reconhecerão, em pequenas pontas, Tom Savini (que criou as maquiagens de ZOMBIE - O DESPERTAR DOS MORTOS, e dirigiu outra ótima refilmagem de um clássico de Romero, A NOITE DOS MORTOS VIVOS) e Ken Foree (que atuou no filme original).

MADRUGADA DOS MORTOS, com suas cenas de tensão e violência, montagem perfeita, roteiro muito bem estruturado e, principalmente, a direção exemplar de Snyder, foi um sucesso de público e crítica que possibilitou a Snyder desenvolver uma interessante carreira e, além disso, garantiu a continuidade, entre altos e baixos, de novas produções do gênero.