Por Wally Soares
| Data: 24/11/2010
Repo Men: O Resgate de Órgãos abre com uma narração em off que desperta contexto polÃtico ao tratar de recessão e guerra, ainda resgatando um tom existencialista a partir da menção do gato de Schrödinger. O filme, baseado no livro Os Coletores de Eric Garcia, é uma obra futurista que quer ser, ao menos tempo, comédia de humor negro, fita de ação estilizada, ficção-cientÃfica com consciência e drama filosófico. Como a maior parte dos filmes que ousam atribuir gêneros em excesso para uma mesma história, a irregularidade domina no longa dirigido por Miguel Sapochnik que, roteirizado simultaneamente por Garcia e Nicholas Griffin enquanto este primeiro ainda escrevia o livro, torna-se um caso tÃpico de estilo x substância.
O narrador da história é seu protagonista, Remy (Jude Law). Ele e seu amigo Jake (Forest Whitaker) são coletores em um futuro próximo onde órgãos artificiais são comercializados. De valor exorbitante, os órgãos são geralmente comprados no crédito e, assim que a pessoa atrasa qualquer prestação, os coletores são chamados para extrair o órgão e deixar a pessoa para morrer. Remy, casado e com filho, é pressionado pela esposa a largar o serviço, mas reluta em fazê-lo. O que consequentemente o leva a encarar o outro lado da moeda.
É nesta realidade extremamente cÃnica que a narrativa se desenvolve. Incerta, a todo momento, acerca de qual tom ou sensação abraçar. A narração em off ao inÃcio, portanto, sugere um tipo de filme que nunca vinga. O existencialismo simbólico do gato de Schrödinger acaba por resumir, sim, a existência do personagem – mas o conceito não é desenvolvido. O mesmo vale para o contexto sócio-polÃtico. E, como ficção-cientÃfica, é primordial que o filme almejasse conectar de alguma forma com algo mais cru – seja na urgência da realidade ou com emoções humanas palpáveis. Este filme, porém, nunca chega a acontecer. O que vemos é um longa de ação cheio de estilo e pompa que pode vir a entreter em algumas sequências muito bem montadas – mas que nunca adiciona, finalizando-se como uma experiência aborrecida apesar do desfecho surpreendente e controverso.
Na essência de Repo Men está a nada gloriosa ironia que o personagem de Remy precisa encarar. Até esse evento, o filme é especialmente fraco. Sem ritmo, pontos de interesse e apresentando Remy e Jake como dois personagens asquerosos – a leviandade deles para com o trabalho que realizam mantém a audiência afastada. Até porque não há uma humanização afetuosa na forma como o roteiro os apresenta. A partir da ironia do destino, o filme começa a ficar mais interessante, ainda que particularmente óbvio ao apresentar certos elementos que apenas escancaram a natureza esquemática da história. Isso tudo é parcialmente enriquecido pelo olhar refrescante de Sapochnik, em sua estreia na direção de um longa-metragem. Ainda que falhe na construção narrativa de seu filme, realiza cenas isoladas muito eficientes. O maior acerto sendo a bela mesclagem de música e imagem, resultando em alguns momentos realmente memoráveis. Partindo do titulo original do livro no qual se baseia – O Mambo da Reposição – o filme traz em certo momento o personagem de Remy escutando mambo enquanto realiza uma coletagem e essa lógica se seque pelo restante do longa, ainda contando com presença da bossa nova.
O elenco do filme é outro acerto. Jude Law é um ator muito bom e, mesmo que não esteja nos seus melhores dias, extrai o que há de mais interessante do personagem falho. Whitaker, por sua vez, faz um personagem totalmente diferente do que anda realizando ultimamente – um refresco, portanto. E Alice Braga, cada vez mais ativa na indústria cinematográfica norte-americana, prova que merece esse sucesso em atuação muito eficiente. Outros dois ótimos atores, Liev Schreiber e Carice van Houten possuem pouco tempo em tela para deixar alguma impressão mais válida.
Recuperando seu valor no clÃmax bem tenso, os últimos minutos de Repo Men parecem até outro filme, de tão decentes. Talvez se o diretor tivesse assumido essa lógica de realizar puramente um filme de ação desde o inÃcio a obra não teria se enrolado tanto nas ambições que acabam não medindo a nada. Após o clÃmax repleto de ousadia, estilo e elementos um tanto bizarros, chega um desfecho que certamente dividirá opiniões. Revelando como farsa boa parte do acreditávamos da história até então, é uma revira-volta no mÃnimo interessante, ainda que soe deslocada em um filme tão falho e desregulado. (Wally Soares)