Crítica sobre o filme "Solteirão, O":

Rubens Ewald Filho
Solteirão, O Por Rubens Ewald Filho
| Data: 08/12/2010
Como Wes Anderson (e Woody Allen, antes dele), Noah Baumbach está construindo o início de sua promissora carreira em pequenos filmes independentes sobre personagens difíceis e cruelmente realistas. Nunca esquecendo, no meio de tons opressivos e melancólicos, do bom humor e da habitual graça que provém da inevitável desgraça. Apesar de ter estreado no Cinema em 1995 como diretor/roteirista, foi só 10 anos depois – com A Lula e a Baleia – que o cineasta foi finalmente reconhecido. Um belíssimo filme sobre família e juventude, pavimentou o estilo original de Baumbach que seria trabalhado ainda no extremamente difícil Margot e o Casamento, filme que desagradou muitos justo por lidar com personagens tão complexados e pouco carismáticos, inundados em seus próprias realidades egocêntricas. É analisando estes tipos, porém, que Baumbach atinge a maestria. Como ocorre neste seu novo filme, Greenberg, lançado diretamente em DVD no Brasil com o vergonhoso título O Solteirão.

O filme, que não possui um enredo no sentido mais clássico do termo, segue o cotidiano de dois personagens – o Roger Greenberg do título e a jovem Florence Marr – que se entrelaçam em Los Angeles. Roger está prestes a completar 41 anos e acaba de sair de um instituto psiquiátrico, viajando de Nova York para cuidar da casa da família do irmão enquanto estes saem de férias. Lá, ele conhece Florence, que é uma espécie de “babá-faz-de-tudo†em domicílio – e acaba ficando encarregada de ajudar Roger com alguns afazeres. Florence logo começa a se interessar por Roger, apesar de sua frieza, desencadeando um relacionamento intrigante apesar das circunstâncias e do aparente antagonismo que dividem.

Baumbach, que normalmente faz um trabalho solo nos roteiros dos filmes que dirige – apesar de colaborar no script de alguns filmes de Wes Anderson – chamou aqui a atriz Jennifer Jason Leigh para colaborar no texto. Fato muito curioso já que O Solteirão é um filme que pode ser visto por dois extremos – o de Bruce e o de Florence, de forma que a história é retratada pelo ponto de vista de ambos. Bruce surge como uma reflexão de Baumbach, encaixando no tipo de personagem central que este costuma criar. Consciente demais de si mesmo e contornando a todo momento a constatação de que sua vida é um fracasso apesar da inércia da mesma, Bruce é um personagem neurótico que deposita sua insatisfação crônica pela vida nas pessoas ao seu redor. Em certo instante seu melhor (e único) amigo – interpretado pelo ótimo Rhys Ifans – repete a expressão de que “a juventude é desperdiçada nos jovensâ€. Para a qual Bruce responde, quase que imediatamente: “Eu iria mais longe. Eu diria: ‘a vida é desperdiçada nas pessoas’â€.

Interpretado por um Ben Stiller irregularmente competente (é facilmente o melhor papel de sua carreira), Bruce repele a audiência ao invés de envolver. Seu tom rígido e a propensão a quase sempre desagradar os companheiros o leva ao completo ostracismo. Isso, para quem não estiver interessado na psique de Bruce (fascinante) torna O Solteirão um filme “chato†e “irritanteâ€, canalizando as “qualidades†do personagem. Para todos os outros, é um prato cheio. Até pela complementação bem vinda oferecida por Leigh no roteiro. É bem óbvio que a personagem de Florence é sua reflexão, principalmente ao analisarmos a personagem que a atriz/roteirista interpretou no filme Picardias Estudantis, cuja personalidade e situações nas quais se vê envolvida remete muito ao que Florence passa em O Solteirão. Florence, porém, não é interpretada por Leigh – que está no filme, mas em papel secundário. Quem vive o complemento de Bruce é a grande revelação Greta Gerwig, em atuação deliciosa. Alias, é injusto considerá-la revelação quando esta já fez um número considerável de filmes, mas sinto que é este que dará o prestígio devido à atriz, cujo desempenho terno e extremamente sincero vira o epicentro emocional de O Solteirão – em contraponto, claro, à natureza de Bruce.

Apesar de não ser o melhor de Baumbach – o feito almejado em A Lula e a Baleia ainda é precioso demais para ser superado – O Solteirão é o ápice do cineasta como diretor, revelando um claro amadurecimento em termos técnicos. Como a decupagem, a simetria e as rimas temáticas e emocionais empregadas ao longo da narrativa. A edição limpa e ágil confere à obra maravilhosas elipses que não só dão um ritmo enxuto à uma história que corre risco de se tornar enfadonha (como já notado, falta ao filme verdadeiro enredo), mas insere também um tom de autenticidade à narrativa, evitando diálogos expositivos que poderiam frear a história ou subestimar a audiência. Ainda na parte técnica, a fotografia é bonita e a trilha sonora comandada por James Murphy (da banda LCD Soundsystem) é excepcional ao exprimir de forma lírica a jornada interpessoal que ocorre entre a audiência e estes personagens tão especiais. A música, alias, exerce papel fundamental em sequência que registra o choque de gerações que Bruce testemunha ao ser jogado em festa muito jovem. Apesar de querer escutar Duran Duran enquanto viaja com uma boa cocaína, os jovens clamam por Korn.

A partir do momento que o espectador deixar de lado sua intuição pessoal acerca de Bruce Greenberg, O Solteirão possui todas as condições para realmente entreter. É um filme inspirado, criativo na construção de diálogos e simplesmente especial no olhar que lança sobre estes personagens. Bruce e Florence, corriqueiros, desequilibrados e disfuncionais, não delongam a se transformar em pessoas, fugindo do título de meros personagens. Ao fim, a complementação quase poética (e ainda assim, tão imperfeita) de ambos deixa a sensação perfeita na audiência: de que a história está apenas começando para estas duas pessoas. E a vontade de querer acompanhar e descobrir o que se seguirá na vida dos dois só é a prova de que Baumbach e Leigh constituiram um retrato que vai muito além da bela técnica usada para discursá-lo. O Solteirão é difícil, mas é um desafio delicioso arrebatar as camadas destes personagens tão únicos. (Wally Soares)

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Inédito em nossos cinemas, esta quase comédia com poucas risadas e muito drama, teve boas críticas, mas foi fracasso de público. Uma produção da Fox da prestigiada dupla o diretor Baumbach e a roteirista (e atriz, Jennifer Jason Leigh), casados, na época, eles pediram divórcio, em novembro de 2010 (fizeram antes A Lula e a Baleia, Margot e o Casamento).

Para mim, são superestimados, metidos a intelectuais, resultando em filmes lentos, aborrecidos, difíceis. É o caso deste estudo de personagem. A ideia, segundo dizem, é apresentar um personagem, um caractere, como costumam fazer os romancistas americanos, como Saul Bellow, John Updike, ou seja, menos trama e mais aprofundamento psicológico. Isso quer dizer que temos que suportar uma das figuras mais chatas do cinema, o Sr. Greenberg, um cara já de meia-idade, confuso, mal querido, que inicia um romance com a moça que ajuda a cuidar da casa e da família do irmão. Ela também outra figura mal resolvida e que ainda por cima está grávida.

Tem ainda o cachorro que fica doente, um amigo que largou as drogas e tenta se reconciliar com a família dele (o inglês Ifans, sempre competente), uma ex-namorada (Jennifer, em ponta não marcante). O elenco original seria Mark Ruffalo e Amy Adams e foi reescrito para funcionar para Stiller. O filme está cheio de descendentes de gente famosa, como Jake Paltrow (irmão de Gwyneth). Dave Franco (irmão de James), Juno Temple (filha de Julien), Max Hoffman (filho de Dustin), Zozia Mamet (filha de David).

Concorreu ao Festival de Berlim. É sombrio, cheio de frases de terapia (gente magoada magoa os outros), com medo de ser comédia romântica sobre homem que tem medo de crescer. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos. Rubens tem um blog exclusivo no portal R7)