Crítica sobre o filme "Para Não Falar de Todas Essas Mulheres":

Eron Duarte Fagundes
Para Não Falar de Todas Essas Mulheres Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 21/03/2011
Para não falar de todas essas mulheres (For att inte tala am alla dessa kvinnor; 1963) começa com um plano fixo de cerca de cinco minutos em que observamos à meia distância uma cena fúnebre onde à volta dum caixão três homens comentam certas coisas da vida do morto, um músico que, entre outros fatos, teria deixado várias viúvas. Este velho filme do sueco Ingmar Bergman está entre os menos falados de sua filmografia; mas nele Bergman exercita o mesmo rigor de encenação e a mesma magia de filmar com que nos brindou em tantas obras-primas.

Talvez aí esteja o ponto do descaso para com este trabalho de Bergman. Não sendo uma obra-prima, o filme poderá ter chocado as admiradores do cineasta ao vir logo depois da maravilhosa trilogia do silêncio formada por Através de um espelho (1961), Luz de inverno (1962) e O silêncio (1962); substituindo à sisudez analítica aguçada da trilogia uma comicidade parente daquela de Sorrisos de uma noite amor (1955), Bergman parece ter baixado um pouco seu tom metafísico em Para não falar de todas essas mulheres, mas formalmente em momento algum escorrega, conciliando dignidade fílmica com uma magia que é prima daquela (mais farsesca) do italiano Federico Fellini.

Aí está outra aproximação que tem prejudicado a carreira do filme. A narrativa foi evocada como um pouco à sombra de Oito e meio (1963), de Fellini. Bergman, como Fellini, discute o narcisismo do artista e sua tendência paulatina à esterilidade. Diante de Oito e meio, a maioria dos filmes vai perder. Não ocorreria diferente com Para não falar de todas essas mulheres. Mesmo assim, e apesar de aqui e ali uma teatralidade fastidiosa poder espantar o público, o gênio de Bergman se realça em seu filme menoscabado. Demais, é curioso observar como Bergman se vê no músico que se relaciona tensamente com um harém (suas mulheres circundantes) e ver como ele é terno e ao mesmo tempo sarcástico com a caricatura de crítico musical que põe em cena. E é interessante os ocultamentos (elipses) de que ele cerca o músico, que é muito referido e está sempre ausente da cena; sua morte é o ato mais mostrado de sua vida.

E Bergman não deixa de utilizar novamente seu harém em Para não falar de todas essas mulheres: Bibi Anderson, Harriet Andersson, Eva Dahlbeck... De todas ele desfrutou, no cinema e fora do cinema. (Eron Fagundes)