Crítica sobre o filme "Enrolados":

Wally Soares
Enrolados Por Wally Soares
| Data: 24/04/2011

Nada mais justo que Enrolados seja a 50ª animação da Disney – além de retornar ao território de contos de fada tão bem executado pelo estúdio, concebe uma espécie de princesa híbrida para o papel da protagonista. Portanto, é também muito adequada a mudança do nome da animação, que teria se chamado “Rapunzel” por se basear na história dos irmãos Grimm. E se o título Enrolados não é exatamente original (ou criativo), ao menos funciona ao espelhar que – apesar dos contornos – esta não é uma típica história Disney. Executa a mesma fórmula, mas constrói personagens que convergem entre o moderno e o tradicional, além de delinear uma trama elegante no classicismo que abraça e divertida no ritmo ágil de aventura cômica mais contemporânea que acaba por se submeter. O equilíbrio almejado nesta mescla é a grande virtude de Enrolados – longa-metragem que faz jus ao legado do estúdio.

Já tentando dar uma revigorada na estrutura ao colocar o herói da história como narrador – que por sinal abre a metragem com um inusitado “esta é a estória de como morri” – Enrolados foca na princesa Rapunzel que, mediante circunstâncias especiais, nasceu com cabelos mágicos com poder de cura e rejuvenescimento. Ainda jovem, é roubada por uma bruxa que a prende em uma alta e escondida torre, lhe criando com a noção de que o mundo fora desta era perigoso e usufruindo dos poderes mágicos do cada vez mais longo cabelo da princesa. Prestes a completar 18 anos, Rapunzel deseja mais do que nunca a liberdade e sonha em poder ver de perto um espetáculo de “luzes flutuantes” que coincidentemente surgem no céu nos dias de seu aniversário – na verdade, uma tradição criada no reino para guiar a “princesa perdida” de volta para casa. Quando o ladrão foragido Flynn Rider busca esconderijo na torre, Rapunzel recebe a oportunidade perfeita para partir em sua aventura.

Com a equipe sábia de Bolt: Supercão no comando e com a ajuda de um dos roteiristas de Carros, este Enrolados já acerta completamente na composição da personagem de Rapunzel. A garota enclausurada forçada a afazeres domésticos de Cinderela, a princesa subestimada que sonha com um mundo novo de A Pequena Sereia, a moça que amolece o coração de um cético de A Bela e a Fera e a jovem destemida de Mulan; a Rapunzel de Enrolados definitivamente não é aquela dos irmãos Grimm. E outras referências rolam soltas ao longo da história e se revelam presentes na composição dos personagens – sem que, com isso, os roteiristas sacrifiquem a originalidade. Se o filme faz todas as paradas habituais e chega sã e salvo no final feliz, é apenas inevitável. O que importa mesmo é a forma como tais clichês são disfarçados e paparicados no decorrer. E a jornada engraçada, ágil e até mesmo emocionante oferecida por Enrolados prova que até mesmo os mais velhos truques funcionam quando revitalizados.

Devidos méritos merecem ir à concepção estética da produção. Ainda que a Pixar mantenha certa supremacia neste quesito (e em tantos outros), nada mais natural que a Disney tenha atingido o ápice na arquitetura visual de suas produções – e Enrolados se revela incrível quando nos deliciamos com a profundidade dos visuais e a riqueza dos detalhes. O mundo do longa-metragem oscila, portanto, entre o espírito mágico e fantasioso de instantes com um estilo definitivamente mais realista em termos de direção de arte. Por sinal, é surpreendente constatar que os dois animais de papéis importantes na produção (porque nos filmes da Disney sempre tem) não falam – apoiando-se completamente, portanto, na perícia técnica de suas expressões e movimentos. E se o cavalo com alma de cachorro surge totalmente hilário, o pequeno camaleão comparsa de Rapunzel certamente nos conquista desde sua primeira cena. Ainda sobre a virtuosidade técnica, é mais do que válido afirmar que muitas das sequências de Enrolados já estão praticamente eternizadas. Se não inteiramente por causa da estética, muito se deve à ela. Destaque óbvio para o passeio de barco em meio às tais “luzes flutuantes”, no auge romântico da película.

Enrolados é, também, um musical. E aqui parece buscar inspiração nos projetos mais antigos da Disney, com canções de melodias simples, mas letras imensamente significativas – artifício muito importante ao traduzir sentimentos e anseios dos personagens. Especialmente, claro, a personagem principal, que surge com números contagiantes e contundentes. E a bruxa, que desempenha o papel de “mãe”, é talvez a melhor vilã da Disney. Recheando seus números de espírito alegres com humor negro, ela parece acreditar a todo instante que não é uma vilã – rejeitando esta noção quase que por completo. E se o herói Flynn Rider não conquista nos momentos musicais, cativa com seu humor e charme preciso. Mais do que necessário avisar, aqui, que as músicas originais são bem superiores às versões brasileiras. A primeira falha de uma dublagem nacional que ainda contratou um apresentador de televisão fajuto para dar voz ao mocinho da aventura.

O primeiro conta de fadas da Disney realizado com animação digital, Enrolados habilmente mistura ideias de tempos diferentes para moldar um obra que é puro entretenimento e deleite. O roteiro é redondo, as escapadas previsíveis e nem tudo segue uma lógica convincente, mas estes são pecadilhos que aprendemos a tolerar em projetos como estes cujas ambições são muito claras – e Enrolados está a altura de todas em praticamente todos os instantes, provando que nunca se está velho demais para poder mergulhar em história de inocência e ingenuidade. O encanto é tão inevitável quanto à previsibilidade.