Independente de qualquer coisa, todo projeto que leva na direção o nome de Clint Eastwood, é sinônimo de prestígio. Neste então, houve muito burburinho, por tratar-se de uma parceria entre o eterno Dirty Harry e o roteirista inglês Peter Morgan, autor das excelentes obras A Rainha e Frost/Nixon. Em uma história que mistura o espiritualismo com as experiências pós morte, o filme não deu muito certo nos EUA (só concorreu ao Oscar® de melhor efeitos visuais), mas mesmo assim provavelmente terá certo sucesso por aqui, já que o Brasil é um país que gosta deste gênero de filme.
O filme tem três protagonistas: Marie (Cecile de France) uma jornalista que está de férias na Tailândia e tem uma experiência com o pós morte por causa do famoso tsunami que aconteceu por lá. George (Matt Damon), um vidente que ficou famoso, mas que decidiu abandonar o sucesso para tentar ter uma vida comum, e Marcus (vivido pelos irmãos Frankie e George McLaren) que perde o irmão Jason em um acidente e parte em busca de alguém que possa fazer o contato com o irmão falecido. E claro, essas três pessoas irão se cruzar e modificar uma a vida das outras.
Contar mais da trama estraga porque a graça é justamente você acompanhar a trama de redenção e auto-aceitação destes personagens, principalmente a de Marie, que após a experiência não consegue mais se recuperar em seu trabalho, onde perde o namorado e o trabalho como ancora de um jornal francês. E pra mim é essa personagem que faz com que o público goste mais do filme, pois nos identificamos com ela. E é daí também que reside a melhor interpretação do filme, da sempre auto nível Cecile de France, que já é estrela em seu país natal, mas que protagoniza pela primeira vez um filme americano. Matt Damon também está muito bem aqui, mas vejo furos em sua trama, bem como a do menininho que consegue fazer as coisas de maneira fácil demais. Infelizmente, o furo da história reside no roteiro de Peter Morgan, que foi muito abstrato em grandes partes do filme, bem como amarrou as situações em alguns de momentos de modo pouco profundo e convincente.
E Clint também parece ser a pessoa errada a dirigir este tipo de longa, que tem um ritmo muito lento e calmo demais, sendo que o filme nem tem tanta duração... mas pelo lado positivo, as atuações são realmente boas, e Clint mais uma vez mostra que é um ótimo compositor! Os efeitos visuais também são primorosos e mereceram a indicação ao Oscar®.
Bem, é um filme mediano, que deixa a desejar pelas pessoas envolvidas na trama, mas que provavelmente será querido por aqueles que gostam deste tipo de narrativa, principalmente por aqui.
Apesar do que vem se revelando como consenso, não é de agora que o eterno ícone do velho oeste Clint Eastwood vem se arriscando em filmes com temáticas de núcleo mais emocional. Desde os anos 70 podemos encontrar obras em sua filmografia como diretor que revelam um lado do cineasta que é comumente reprimido em suas aparições frente às câmeras e se Gran Torino foi mesmo sua despedida como ator, merece aplausos por ter saído de cena com um personagem puramente simbólico para sua carreira. Artista sempre muito versátil, Eastwood já foi do policial para o romance e do faroeste para a guerra, além de investir em dramas tanto de época quanto contemporâneos. Após confiar nas emoções e deixá-las o guiar no falho mas transcendente Invictus, Eastwood arrisca a enfrentar território mais frágil com Além da Vida, precisando exercitar na composição da história aquela sutileza demonstrada em Menina de Ouro e a abordagem ambígua alcançada em Sobre Meninos e Lobos.
Além da Vida foi descrito por Eastwood como três histórias diferentes sobre pessoas que enfrentaram momentos estressantes, e de como estes personagens se convergem. Muito como os filmes franceses foram no passado, ele diz, quando as histórias convergiam e o destino guiava cada pessoa em direção à outra. Esta visão romantizada do cineasta de fato reflete a sensação por trás do longa-metragem, com a diferença de que as três histórias aqui nunca chegam a convergir de maneira emocionalmente satisfatória, deixando a audiência tão perdida e desconexa com a narrativa quanto os personagens parecem estar com a vida doída que parecem enfrentar. Além da Vida parece três filmes diferentes sobre um mesmo tema, semelhantes em estilo e clima, mas distantes em termos essencialmente dramáticos. Isso ocorre por dois motivos em especial: o roteiro de Peter Morgan segue uma estrutura rígida pobre e a edição de Joel Cox e Gary Roach em nenhum momento consegue oferecer fluidez e ritmo na hora de narrar as respectivas histórias.
Os protagonistas das histórias são George (Matt Damon), Marie (Cécile De France) e Marcus (Frankie McLaren). George é um médium que, após o constante desgaste provocado pela maldição em sua vida pessoal, decidiu abandonar o trabalho em busca de uma vida mais tranquila e normal. Marie, por sua vez, é uma jornalista popular que, após uma experiência de quase-morte, começa a questionar fatores polêmicos demais para manter seu bom nome entre os profissionais. Já Marcus é um garoto que se vê obrigado a lidar com a ruína de sua família, incluindo perdas irreparáveis. Todos de lugares diferentes do mundo Estados Unidos, França e Inglaterra, respectivamente os personagens se vêem unidos pela morte enquanto tentam compreender, aceitar e fugir dela.
Morgan, que já escreveu textos excelentes para Frost/Nixon e A Rainha, está acostumado a conceber histórias baseadas em fatos verídicos, tendo assinado ainda O Último Rei da Escócia. E seu roteiro para Além da Vida, apesar de apresentar personagens únicos e verdadeiramente interessantes, peca na estrutura de tal forma que os personagens ficam enclausurados em um espaço limitado, não podendo evoluir a toda medida tanto no aspecto psicológico quanto no emocional, já que o tom episódico adotado pelo roteiro impede que emoções mais fortes possam aflorar. Apesar do que foi dito por Eastwood, as histórias aqui não convergem. O texto pausadamente oscila as respectivas histórias paralelas, sem qualquer rima ou significância maior oferecendo união umas com as outras. Assim, seguimos a história do personagem x por um bom tempo, depois passamos para o personagem y pela mesma quantidade de tempo e, em seguida, para o personagem z. Esse ciclo se repete exaustivamente ao longo da metragem de mais de duas horas de duração. O fato de cada respectivo segmento ser demorado apenas enfraquece ainda mais o ritmo da película, fortalecendo por sua vez a distância que acaba crescendo entre a audiência quando deveria acontecer o contrário. Até porque, como já dito, estes personagens são muito especiais e certamente mereciam uma estrutura melhor para serem trabalhados.
Dito isso, os três filmes que se encontram desfragmentados em Além da Vida são muito bons. Eastwood aborda o material como o cético que é e não está interessado em mostrar espíritos ou visões do pós-vida, nem tampouco está querendo oferecer respostas que obviamente não tem. Assim, ele fica livre para explorar os conceitos que movem os personagens, criando planos muito bonitos com a ajuda da fotografia de Tom Stern, imprimindo nuances muito verdadeiras aos dilemas e às sensações tão particulares destas pessoas que soam dolorosamente reais. Seja George, cuja paixão por Charles Dickens o traz sossego na noite e, mais a frente, se torna especialmente importante para seu futuro. Marie, cuja fragilidade nos atinge de maneira inesperada e especialmente Marcus, cujo dilema familiar é de assolar qualquer um, nos forçando a torcer por um final feliz mesmo contra todas as probabilidades. E são estes personagens e a forma com a qual são apresentados que mantém Além da Vida com pulso, já que não há ritmo, fascínio ou mesmo catarse para nos envolver além disso. Ainda neste quesito, o elenco se revela à altura, com atuações realmente sinceras do trio central e participações memoráveis de Bryce Dallas Howard, Lyndsey Marshal e Jenifer Lewis.
Eastwood, com sua câmera envolvente e trilha sonora melancólica quase assombrosa, nos mantém de certa forma instigados (a sequência impressionante do tsunami logo de início sugere outro tipo de filme) . Por outro lado, sua resistência em explorar a estrutura da película e ousar além dos confins acadêmicos se revela no mínimo decepcionante. Tanto quanto o ato final oferecido para os personagens que, apesar de apresentar suas virtudes, surge totalmente anti-climático. Conduzido de forma contida uma escolha errada, já que era necessário algo realmente pungente para se contrapor ao restante da metragem o desfecho é singelo em excesso e talvez a síntese mais pura do filme: bem intencionado, com válidos atributos; profundo não na significância, mas na transparência. (Wally Soares)